Novas descobertas científicas seguem acontecendo em plena pandemia

A ciência não para. É aquela máxima: na hora da crise, a criatividade, o empenho e a inteligências de pesquisadores se transforma em soluções para uma série de problemas de saúde, em plena pandemia. No Laboratório de Engenharia e Química de Produtos, da Unicamp, os cientistas exploravam o potencial das interações de íons metálicos com polímeros naturais na área ambiental e biomédica. Com a pandemia do novo coronavírus e a chegada da Covid-19 no Brasil, tiveram a ideia de avaliar se esses compostos também seriam capazes de inativar o SARS-CoV-2.

Foto site da Unicamp

Com isso, surgiu a mais nova tecnologia que pode acabar com as trocas frequentes de máscaras e outros acessórios que entraram para a rotina de proteção da população, os chamados EPIs (equipamentos de proteção individual). Trata-se de um processo de recobrimento para esses materiais, capaz de formar uma capa protetora ativa e de ação prolongada que neutraliza o coronavírus por contato.

O SprayCov, como foi batizado, eliminou o coronavírus depois de apenas um minuto e manteve 99,99% de eficácia nas 48 horas seguintes. “Nossa fórmula não é um agente sanitizante como o álcool 70 ou o hipoclorito de sódio que usamos na limpeza, esse é um processo para tornar a máscara capaz de inativar o vírus”, explica Marisa Masumi Beppu, professora titular da Faculdade de Engenharia Química e fundadora do LEQUIP.

A tecnologia é indicada para EPIs empregados por profissionais de saúde, mas o spray também pode ser aspergido em máscaras de algodão. A ideia é conferir uma barreira ativa que destrua o vírus assim que ele tiver contato com a superfície recoberta. Atualmente, os equipamentos de proteção individual servem mais como barreira física.

Uma das preocupações dos cientistas foi a escolha criteriosa das substâncias, pensando nos impactos do uso prolongado do spray no meio ambiente. Os sais de cobre já são usados em larga escala na agricultura, há mais de um século, como fungicida para conter o avanço de pragas. “O impacto ambiental não seria diferente de um agricultor usando a calda bordalesa na plantação”, relaciona Marisa.

A tecnologia também usa uma mistura de polímeros biodegradáveis que funcionam como uma espécie de cola para a fixação dos sais. A aderência foi testada em diversas superfícies, alcançando os mesmos resultados em tecidos e não-tecidos. Com os resultados promissores, a Agência de Inovação Inova Unicamp fez o depósito do pedido de patente junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial e está promovendo a oferta ativa da tecnologia a empresas com potencial para licenciar a tecnologia e levà-la ao mercado. “Recentemente, tivemos a abordagem de empresas têxteis e também do setor público”, contou Marisa.

EFICAZ E MAIS BARATO QUE A PRATA

Outra vantagem da fórmula está no preço dos insumos. O custo de recobrimento de máscaras com o SprayCov foi calculado pelos pesquisadores em pouco menos de R$ 0,02 por máscara. “O cobre é tão eficaz quanto a prata”, afirma Clarice Weis Arns, professora titular do Instituto de Biologia, e responsável pelos testes. As análises de eficácia foram realizadas no Laboratório de Virologia Animal (LVA), da Unicamp, que já avaliou a ação virucida de outros produtos apresentados pela força-tarefa da universidade, montada no início do ano contra a Covid-19.

Amostras do vírus SARS-CoV-2 e de um modelo dele, chamado de MHV (outro tipo de coronavírus, mais resistente e que afeta apenas camundongos) foram colocadas em contato com a fórmula e células vivas in vitro. O SprayCov não apresentou toxicidade para as células, inibiu a replicação do coronavírus por 3 dias e ainda reduziu a capacidade de inoculação, desarticulando os mecanismos que permitem a instalação da doença.

O recobrimento libera íons que atacam o vírus. Essas partículas eletricamente carregadas causariam rupturas, decompondo e destruindo o envelope que reveste o microorganismo. “Nessa camada mais externa, composta de glicoproteínas, ficam todas as informações genéticas que permitem ao coronavírus entrar em nossas células. Uma vez desfeita, o vírus deixa de existir e não consegue mais infectar o hospedeiro”, explica Clarice.

Para a virologista, a tecnologia não só é viável como abre outras possibilidades para o campo da pesquisa. “Você está aplicando o produto muito próximo das vias aéreas superiores, se tiver algum vírus preso nos nossos cílios, no nariz ou na garganta o recobrimento da máscara pode ajudar a eliminar”, comenta.

Os pesquisadores acreditam que o invento possa ainda ser eficaz contra outros tipos de vírus causadores de doenças respiratórias, como a Influenza provocada pelo H1N1. Novos estudos, em andamento, buscam elucidar como os íons de cobre e, possivelmente, também alguns contra-íons que equilibram o componente, agem na batalha para destruir esses microorganismos.

Além das professoras Marisa e Clarice, os alunos João Batista Maia Rocha Neto, Rogério Aparecido Bataglioli, Amanda Barbosa Garcia, Laise Maia Lopes e Guilherme Bedeschi Calais participaram das pesquisas e constam como inventores da patente.


Foto Getty Images

TOSSE COM COVID-19

Já um algoritmo desenvolvido nos Estados Unidos identificou corretamente as pessoas com covid-19 apenas pelo som de suas tossidas. Nos testes, ele atingiu uma taxa de sucesso de 98,5% entre as pessoas que receberam um resultado oficial positivo no teste do coronavírus, aumentando para 100% nas que não tinham outros sintomas. Os pesquisadores precisariam de uma aprovação regulamentar para transformá-lo em um aplicativo.

Eles disseram que a diferença crucial no som de uma tosse de um paciente assintomático de covid-19 não pode ser percebida por ouvidos humanos. O cientista do MIT Brian Subirana, coautor do estudo, publicado no IEEE Journal of Engineering in Medicine and Biology, disse: "A maneira como você produz som muda quando você tem covid-19, mesmo se você for assintomático."

O mecanismo poderia ser usado "para triagem diária de estudantes, trabalhadores e do público, nas escolas, trabalho e transporte reabrirem. Ou até para testes de piscina para alertar rapidamente e evitar surtos em grupos", diz o relatório. Várias organizações, incluindo a universidade de Cambridge University, a universidade Carnegie Mellon e a start-up de saúde Novoic, no Reino Unido, têm trabalhado em projetos semelhantes.

AMOSTRAS DE SONS

Em julho, o projeto Covid-19 Sounds da Cambridge University relatou uma taxa de sucesso de 80% na identificação de casos positivos de coronavírus com base em uma combinação de respiração e sons de tossida. Em maio, ele havia coletado 459 sons de amostra de tosse e respiração enviados por 378 membros do público — agora, ela tem um banco de cerca de 30 mil gravações.

O laboratório do MIT coletou cerca de 70 mil amostras de áudio, cada uma contendo uma série de tossidas. Destas, 2,5 mil são de pessoas com casos confirmados de coronavírus.

É COMO "DETECTAR CÂNCER"

O especialista em inteligência artificial Calum Chace descreveu o algoritmo como "uma peça clássica de IA". "É o mesmo princípio de alimentar uma máquina com vários raios-X para que ela aprenda a detectar um câncer", disse ele. "É um exemplo de IA sendo útil. E, pela primeira vez, não vejo muita desvantagem nisso."

Foto: Janssen Global Services via AP


SPRAY ANTI-DEPRESSÃO

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou, nesta terça-feira (3), o cloridrato de escetamina, um antidepressivo na forma de spray inalável indicado para adultos com depressão resistente a tratamentos convencionais e para pessoas com transtorno depressivo maior (TDM) que tenham pensamentos ou atos suicidas. A depressão atinge quase 11 milhões de brasileiros; muitos não têm acesso a tratamento.

O novo medicamento, segundo a Anvisa, deverá ser administrado exclusivamente em um hospital ou uma clínica especializada e na presença de um profissional da saúde. O remédio tem como base a escetamina (ou esketamina). O princípio ativo tem relação com a cetamina (ou ketamina), um medicamento usado para anestesias.

O laboratório Janssen, que produz o novo antidepressivo, diz que o medicamente é capaz de produzir efeito pouco tempo após a aplicação. O remédio é apresentado como o primeiro a agir sobre o glutamato, molécula da rede neural, estimulando áreas do cérebro ligadas às emoções, enquanto os antidepressivos tradicionais atuam aumentando a quantidade de neurotransmissores relacionados à sensação de prazer e bem-estar.

LIBERADO NOS EUA

Nos Estados Unidos, a escetamina inalável está liberada desde março de 2019 e foi considerada uma revolução no tratamento da depressão resistente. O medicamento também é administrado somente sob acompanhamento médico.

À época em que os EUA liberaram o uso do remédio, o médico Pierre de Maricourt, que participou dos testes clínicos de fase 3 no hospital Sainte-Anne de Paris, destacou em entrevista à Agência France Presse a "significativa efetividade e a velocidade de ação da escetamina". Maricourt citou que o medicamente age "em poucos dias" enquanto é preciso "de seis a oito semanas para um antidepressivo convencional".

DEPRESSÃO RESISTENTE

Um terço dos pacientes de depressão não apresentam melhora mesmo após mais de um tratamento com os antidepressivos e terapias disponíveis, segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). A ciência ainda não conhece totalmente as causas da depressão resistente – assim como as da própria depressão.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), quase 300 milhões de pessoas sofrem de depressão, uma doença que limita a capacidade de uma vida cotidiana normal, mas que tem sua gravidade frequentemente subestimada ou confundida com uma depressão passageira. Os casos mais graves podem levar ao suicídio.

Com informações dos sites da Unicamp, BBC e G1

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