ARTIGO: "Educação e filosofia da Educação", por GUSTAVO AROSSI

Abrimos uma nova série de artigos aqui na Rede #AtitudePositiva, dentro da segunda fase do projeto CONEXÃO EDUCAÇÃO, nosso maior projeto de conteúdo realizado em nossa plataforma de boas notícias - no ano de nosso sexto aniversário de existência. Convidamos também para nos trazer suas ideias sobre o tema alguns nomes ligados ao segmento da educação. O primeiro a trazer seu texto e reflexões é o professor, filósofo e Secretário de Educação do município de Anta Gorda (RS).

Junte-se a nós nesta emocionante iniciativa para moldar um futuro brilhante para a educação. Boa leitura!

Gustavo Arossi - Divulgação


À guisa de introdução 

        Ao falarmos de educação – sobretudo numa perspectiva da antropologia cultural – temos de dizer que tratamos de antecedentes filosóficos e científicos. Entretanto, essa tal anterioridade social e do ponto de vista histórico da educação dissolver-se-á com o advento da Filosofia na Grécia Antiga e só permaneceria válida para as sociedades primitivas. 

Com o decurso do tempo, a Filosofia passou a determinar os chamados processos educacionais e, sobremaneira, dar seu contributo na formação do imaginário do humano e do mundo. Em um primeiro momento, o antigo e o medieval, filosofia, educação e política estão numa mesma perspectiva. Encontram-se todos num conjunto que podemos afirmar que indissociáveis. Num segundo momento, na era Moderna, muito embora tenhamos sofrido uma ruptura entre filosofia e ciência, ética e política, sem embargo algum de dúvida que os sistemas filosóficos deixaram suas marcas nos sistemas educacionais. Caso pensemos num terceiro momento – e é mister – no movimento contemporâneo, a filosofia e a educação passam por um processo de descompasso e, por óbvio, suas relações tendem a se reduzir no que denominamos de “enfoque disciplinar da filosofia da educação”. 

Desde priscas épocas, novamente na Grécia Antiga, temos entre os primeiros educadores os poetas Hesíodo e Homero. A noção de filósofo educador somente aparecerá com a institucionalização do conhecimento teórico; pari passu, junto ao este processo histórico, a visão de mundo mítico estética paulatinamente perde espaço para uma concepção racional da realidade – pré-socráticos – com o fito de institucionalizar formas de conhecimento epistemológico que, justamente vai de encontro à doxa. 

É preciso consignar que os pré-socráticos, os sofistas, Sócrates, Platão e Aristóteles deram sua especial contribuição para a formação das instituições públicas; ainda, ajudaram a formar o político, o cientista e o historiador. Não temos como duvidar de que os sofistas foram mestres e de que a figura de Sócrates é a de um educador. Em tempo, Platão e Aristóteles tornaram-se os “guias” da civilização ocidental; o pensamento deles tomou forma nas manifestações socioculturais, nos eventos econômicos, políticos, jurídicos e religiosos. 

Na atual conjuntura, a possibilidade de pensar a atividade racional e as ações da educação demonstra que a Filosofia e a Educação num primeiro momento compreendem-se numa unidade e, posteriormente, definiram-se como processos múltiplos, separados e conscientes. E é na contemporaneidade que Filosofia e Educação, ciência e tecnologia, cultura e civilização assumem características próprias, autônomas, muito embora, no lastro cultural da sociedade existam interligações nas camadas da cultura ocidental. 

Talvez não seria nenhuma imprudência o fato de descrevermos três movimentos da filosofia e da educação. Num primeiro momento, a filosofia e a educação representam um único processo. Assim sendo, a Filosofia é vista, ipso facto, na sua essência, como um projeto educacional. Já num segundo aspecto, é visto que a Filosofia fornece as bases e ou ainda, como sói acontecer, os fundamentos de um projeto pedagógico. Enfim, a educação é consequência de uma determinada filosofia! Ainda, num terceiro aspecto, a filosofia assume a tarefa crítica e reflexiva atinente às teorias e às atividades educacionais. Devemos, portanto, acrescentar que, para entender essas tentativas de classificação, faz-se mister retornar à filosofia mesma, aos basilares textos filosóficos; retomar a figura dos filósofos e examinar em que sentido as filosofias se fazem necessárias. Assim sendo, quiçá conseguiríamos explicar uma época e as imagens de homem e de mundo. Ainda, vislumbra em que sentido determinadas questões dependem das contribuições filosóficas!




Filosofia, política e pedagogia 

A filosofia grega e a medieval não careceram do objeto de “criar” uma disciplina chamada de Filosofia da Educação. Neste ato, já havia uma determinada intimidade entre o pensamento filosófico e o pensamento pedagógico. Na filosofia de Platão, por exemplo, sabemos que ela é eminentemente pedagógica e que, por extensão agregaria política, ética, estética e cosmologia. Não podemos olvidar da grande obra que é A República, cuja grandeza ainda hoje é digna de nota. Tal obra não somente é basilar para a fundamentação da educação como é, ainda, um importante arcabouço teórico para questões atuais. Aquele ou quem já a leu, sobremaneira perceberá que nos chamados X livros encontramos eco na contemporaneidade. Exemplarmente, quando falarmos de Sócrates, não podemos deixar de chamá-lo de professor por excelência; é da sua natureza ser o “homem do diálogo”. Trinitariamente poderíamos ainda expor que: diálogo, democracia e filosofia marcam a cultura grega que emerge como raízes de nossa civilização. 

Se tomarmos por exemplo a Filosofia de Platão, veremos que a mesma nasce de perguntas e do exame refutativo e “diairético” dos enunciados. Estabelece-se também como a busca da verdade e do desejo de livrar o ser humano de sofismas da falsa retórica. É dever do filósofo, bem como do professor “socrático”, ser um ser interrogante; alguém que sabe perguntar e orientar a busca da verdade, da justiça, do belo e do bem! É necessária uma habilidade que consiste em conduzir o diálogo na direção da verdade, cujo fito é refutar enunciados inverídicos. Sendo assim, a Filosofia acaba por ser uma pedagogia que se instaura sob o famoso jargão “conhece-te”. 

É inegável que Platão herda dos sofistas e de Sócrates os chamados procedimentos dialéticos. A finalidade tem uma intencionalidade, que é a de buscar o bem  e aperfeiçoar o ser humano. O elemento metafórico da Alegoria da Caverna demonstram e ilustram num único enfoque a chamada metafísica platônica e seu projeto pedagógico. A “caverna”, enquanto signo pedagógico, representa a “realidade sensível”, das sombras e dos reflexos, enquanto, por seu turno, o mundo exterior quer demonstrar o mundo inteligível, que seria a realidade verdadeira. A caverna tem sua iluminação pelo fogo; já o mundo externo, tem sua clareza cuja origem advém do sol. Resulta então que a passagem das sombras para o sol representa o bem e corresponde às etapas da educação do Filósofo. Passa-se da ignorância à sabedoria dando relevância aos estudos da matemática, astronomia, harmonia e dialética. 

Ademais disso tudo, o processo de formação implicaria amplo desenvolvimento de habilidades físicas e morais que, deveriam ser adquiridas e aperfeiçoadas desde jovem. No livro base de Platão – A República – temos, por assim dizer, um verdadeiro “manual” de instrução da formação global de uma sociedade. Além de mencionar questões de moralidade – Anel de Giges – e intelectuais, o discípulo de Sócrates faz, por exemplo a defesa da importância da prática de esportes como meio de sociabilidade! E, claro, sem qualquer dúvida, Platão quer oferecer instrumentos para a preparação do governante ideal. O “rei-filósofo”, somente poderia governar a cidade depois de dominar a ciência do bem e que, por sua vez, também deveria levar em consideração a idade do futuro pretendente; há quem diga que Platão estipulava um mínimo de cinquenta anos!



O filosofar é um ato pedagógico 

      É impossível falarmos da filosofia platônica ou até de uma filosofia da educação como disciplina autônoma, como se fosse possível apenas aplicarmos os conceitos filosóficos aos temas pedagógicos. É oportuno lembrar, ratificar e considerar que a filosofia, em sua essência e finalidade, é um programa de “educação dialética”, cujo objetivo seria o de buscar a chamada ciência do bem, da justiça e da verdade. Platão toma como pressuposto que “reside” na alma – anima – a faculdade, a possibilidade de se aprender. 

      Do mesmo modo que os olhos só podem sair das trevas para a luz acompanhados de todo corpo, também a faculdade da inteligência afasta-se do devir por meio de um movimento de toda alma até contemplar o bem. (República, VII) 

Educar pois então é uma atividade da alma e não pode ser um processo sofístico – clara oposição aos Sofistas – que impõe um saber externo e, sobretudo, superficial!  Existe, entre comentadores da obra platônica, a ideia de que “também não se assemelha (verdadeira educação) ao procedimento de Górgias, que pregava uma cultura geral!”. (Ullmann, ...)

Educar – consoante o pensamento de Platão – é fazer com que a alma (anima) busque o essencial, id est, a verdade ou verdadeira realidade. Portanto, conhecer consiste em recordar o que está em nós (mímesis), descoberto no processo da reminiscência onde cujo expediente, pode ser traduzido como a verdade em sua gênesis! Novamente é preciso consignar: na República, filosofia, educação e a política são indissolúveis. A virtude é ensinável justamente pelo fato o homem nascer com ela, graças à anamnese. O velho e bom Sócrates afirmava que nada ensinaria! Para ele, o mais relevante não seria ensinar regras de um retângulo, por exemplo, mas sim oferecer as condições necessárias para se poder responder às perguntas filosóficas que indagam o que é algo! 

A aprendizagem pressupõe algo conhecido e algo não conhecido. A passagem do conhecido para o desconhecido é parte fundante do método dialético, da permanente luta para ultrapassar a doxa – conhecimento comum – em benefício da episteme, a ciência. Poderíamos afirmar que a verdadeira reforma educacional de Platão consistiria na superação do senso comum e na procura da verdadeira ciência? Sim. Eis que a filosofia tem o objetivo de formar homens e mulheres capazes de exercer a dialética, de praticar discursos verdadeiros. Platão, de encontro ao pensamento de Górgias, afirmava que não é possível formar homens bons, mas apenas espertos; para aquele, não seria possível formar homens virtuosos, enquanto este, afirmava que seria possível ensinar homens a serem espertos. Podendo cair no erro de ser repetitivo, mas é dever da filosofia tornar o homem modelo de virtude. 

Em efeito, as teorias e o procedimentos pedagógicos – de fato – efetivam-se a partir de concepções filosóficas. Há uma relação interna entre filosofia e educação. Os sujeitos da educação os traços culturais e institucionais e as teorias pedagógicas, o fazer e o agir educativos realizam-se dentro de uma dimensão filosófica global. Sem sombra alguma de dúvida, podemos dizer que sim, há uma determinação filosófica que dá sustento a uma concepção educacional –  avant la lettre – antes de qualquer reflexão própria de uma filosofia da educação. 

Gustavo Arossi - Possui graduação e Mestrado em Filosofia (PUCRS). Atuou como professor pelo Departamento de Ciências Humanas da Unisc (Universidade de Santa Cruz do Sul), Colégio Marista São Luís, Colégio Sinodal Gustavo Adolfo e Pré-Vestibular Método Medicina. MBA em Gestão Estratégica de Pessoas e Liderança pela ESPM. Também atuou como professor no programa PARFOR (CAPES), curso de Filosofia (Unisc.) Atualmente é Doutorando pela UAB (Universidade Aberta de Lisboa) com parceria/pesquisa e docentes da Universidade Nova de Lisboa.

Observação: as opiniões emitidas nos artigos publicados aqui não refletem necessariamente o pensamento editorial da Rede #AtitudePositiva.




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