Uma expedição à Antártica realizada em 2023 culminou na descoberta de pelo menos quatro novas espécies de cogumelos por pesquisadores gaúchos. Esta é a primeira vez que um grupo de pesquisa brasileiro faz achados desse tipo no continente gelado.
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Fernando Augusto Bertazzo-Silva / Arquivo pessoal |
Então doutorando em Biologia na Universidade Federal do Pampa (Unipampa), o santiaguense Fernando Augusto Bertazzo-Silva participou da Operação Antártica 41, realizada entre outubro de 2022 e de abril de 2023. O pesquisador aproveitou o momento para fazer coletas dos fungos para o estudo que embasaria a sua tese.
A pesquisa também deu origem a um artigo publicado no final de junho na revista científica Mycological Progress, especializada em fungos. O grupo permaneceu por um mês acampado em barracas na Antártica. Nesse período, os acadêmicos fizeram coletas que, depois, analisaram no Brasil.
As quatro novas espécies identificadas pertencem ao gênero Omphalina, da família Omphalinaceae.
Elas foram nomeadas como:
- Omphalina deschampsiana
- Omphalina ichayoi
- Omphalina frigida
- Omphalina schaeferi
As coletas foram realizadas na Península Byers, Ilha Livingston, no Arquipélago das Ilhas Shetland do Sul.
O trabalho com fungos na Antártica pela Unipampa teve início nos anos 1980 com os professores Jair Putzke e Antônio Batista Pereira. O estudo é feito em parceria com a Universidade Federal de Viçosa, de Minas Gerais.
Com menos de 1% de seu território não coberto por gelo, o continente gelado não é um destino óbvio para pesquisar fungos. Outros elementos, no entanto, tornam o local cientificamente relevante para esse tipo de estudo.
— De modo geral, o nosso trabalho não tem como foco descobrir espécies novas: queremos analisar quais espécies de fungos macroscópicos ocorrem na Antártica, que foi o tema da minha tese, porque acreditamos que essas espécies têm uma adaptação gênica para aguentar o frio — relata Bertazzo-Silva.
No entendimento do pesquisador de 28 anos, os cogumelos encontrados lá são um “exemplo excelente de como a vida se adapta para sobreviver às piores condições que existem”, uma vez que, na Antártica, os organismos enfrentam baixa disponibilidade de nutrientes no solo, frio extremo e alta radiação solar – elementos que tornam difícil a vida de um fungo por lá.
— São milhões de anos de evolução das espécies para que elas consigam sobreviver a um local como esse, o que também traz a preocupação com as mudanças climáticas: se já está sendo constatado que a Antártica está aquecendo, como o aquecimento vai afetar essas espécies? Ele pode incentivar o surgimento de espécies invasoras, o que vai acabar matando as que já ocorrem lá — observa.
Ciência no Interior
Natural de Santiago, na Região Central do RS, Bertazzo-Silva estudou em escola pública ao longo da vida e abriu caminhos para a vida de cientista por meio de uma bolsa do Programa Universidade para Todos (Prouni), na graduação, e de vagas na Unipampa no mestrado e no doutorado.
— Por muito tempo, as pessoas da minha realidade financeira não eram incentivadas a trabalhar com ciência, mas eu nunca aceitei aquilo de que eu só poderia trabalhar. Felizmente os meus pais, que são trabalhadores, sempre me incentivaram a também estudar. Eles diziam: “Olha, se tu que mudar de vida, receber um salário um pouco melhor, tu vai ter que estudar.” E o estudo foi fundamental para fazer eu me interessar por ciência — conta.
O interesse pela Antártica, contudo, não existia na época da faculdade – o pesquisador diz que, apesar de gaúcho, odeia frio. Sob a orientação do professor Jair Putzke e diante do surgimento de uma oportunidade de participar de uma expedição, a vontade de explorar o continente gelado brotou.
— Me apaixonei. Hoje não me vejo trabalhando em outro ramo da ciência que não a Antártica. É muito satisfatório chegar em um ambiente intocado pelo homem, em que o foco é a pesquisa — relata o biólogo.
O acadêmico retornou à Antártica na operação realizada em 2025. Em ambas as vezes, diz que a experiência foi intensa: os dias são de zero contato com a civilização, nenhuma internet e apenas um telefone que funciona por satélite. O convívio costuma envolver uma maioria de pesquisadores que sequer se conheciam antes da viagem.
Apesar das adversidades, a surpresa com relação ao frio foi positiva, ainda que a temperatura no continente seja, quase sempre, negativa.
— O frio é desconfortável, ainda mais quando se está em uma barraca, mas eu costumo dizer que passo mais frio aqui no Rio Grande do Sul do que acampado na Antártica, porque o sulista não está preparado para o inverno: é aquela jaqueta puffer, um moletom e a gente vai à luta. Na Antártica tu tem toda uma roupa preparada para a temperatura polar, que não te deixa passar frio — avalia.
Atualmente, Bertazzo-Silva faz pós-doutorado no campus de Uruguaiana da Unipampa e participa de pesquisas no campus da instituição em São Gabriel e na Universidade Federal do Rio Grande (Furg). O pesquisador pretende seguir estudando fungos e analisando amostras ainda não rodadas de cogumelos coletados nas visitas à Antártica – o que pode fazer aumentar o número de novas espécies identificadas.
Fonte: GZH
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