Para quem fez o choroso "Diário de Uma Paixão" (com a mãe como protagonista, Gena Rowlands) - ah, não tem como não chorar, açucarado, sessão da tarde, pra levar a namorada, ninguém negue, por favor! - Cassavetes prova um crescimento incrível como diretor, administrando todos esses elementos. Inicialmente, os personagens parecem desajustados e os atores mal escolhidos. Bruce Willis envelhecido pela maquiagem? Sharon Stone num papel completamente coadjuvante? Justin Timberlake? O quê esse cara está fazendo aqui? O líder do grupo que resolve seqüestrar num jovem de 15 anos em 1999, no interior da Califórnia, interpretado por Émile, tão novo, tão "American Pie" e que já não convencia muito? Bem, tudo vai entrando nos eixos e a carga dramática que vai se ajustando e prendendo a platéia. As tiradas de humor vão amenizando com muito talento a narração do caso policial que foi verdadeiro e influenciado inclusive pelo próprio filme. Lá pelas tantas, Justin é um dos melhores personagens do filme. Willis, junto com o veterano Harry Dean Stanton ("Paris Texas") também ressurgem em momentos muito melhores. Emile também se impõe como o vilão.
Há outros lances e intérpretes impagáveis. Garotos sonsos, chapados, outros carregados de uma violência contida. Já as meninas, extremamente secundárias, parecem ser colocadas propositalmente como adereços. Mas encantam os olhos do macharedo. Aliás, Olivia Wilde, recentemente vista em "Turistas", a loira platinada namorada do seqüestrador, surge ao final morena, muito melhor do que em todo o resto do filme, mas é mais outra atriz que infelizmente não diz a que veio. Bilhante, porém, num corpo tatuado e dono de uma mente completamente instável (lembrando levemente o personagem de Edwad Norton em "Uma Outra História Americana"), está Ben Foster, que trabalhou num filme desconhecido chamado "Bang Bang", disponível em DVD, e esteve encarnando o menino-anjo em X-Men 3. Excelente performance, que nos coloca em xeque: afinal, para quem devemos torcer nesta disputa de poderes.
Como costumo dizer sempre, filmes como esse costumam ganhar mais força ainda quando lembramos que tudo foi real. E no caso do trabalho de Nick Cassavetes, as entrevistas e depoimentos colhidos há cerca de três anos ajudaram a prender o principal mandante do crime - os outros já tinham sido detidos. Aliás, foi divulgado que ele teria sido preso no Rio de Janeiro, quando o filme informa que foi no Paraguai - embora toque uma bossa nova cantada em português durante a cena - único deslize do filme (bem, ao lado da maquiagem carregada em Sharon Stone nos depoimentos finais). O autor do crime em si, interpretado pelo também imberbe Shawn Hatosy (que fez dezenas de séries de TV), está no corredor da morte, segundo os créditos finais do filme. Destaque também para uma ponta de Lukas Haas, agora adulto, ele que foi o garotinho de "A Testemunha", em 85, aquele famoso com Harrison Ford.
Enfim, "Alpha Dog" não é a maravilha do ano, mas é um grande e bom filme cru, para ser visto com coragem e ser admirado, provocando refelexões de todos os tipos, desde violência juvenil e comportamento dos pais. É de doer observar a reação negativa de filhos que renegam o amor dos pais e chegam a repugnar-se quando "minha mãe me acorda de tanto me olhar" - diz o personagem Zack, o refém da história, que acaba virando um grande companheiro de festa de seus raptores. Aliás, é com a gracinha Amanda Seyfried (de "9 Lives" e "Meninas Malvadas", na foto ao lado) que ele perde a virgindade numa cena que todo adolescente passa a acrescentar em seus sonhos - ou metas, conforme seu grau de ousadia e coragem.
O cotidiano sem horizontes dessa juventude, com suas TVs gigantes e piscinas à beira de plantações de maconha, faz todos pensarem para onde vamos. A cada trecho a mais do longa, as questões vêm e incomodam. É daqueles filmes que fazem a gente pensar, expõem a fragilidade desta geração e dos relacionamentos em família. Quando Timberlake diz, à beira da piscina, "eu tenho tudo sob controle", quando ele está com um refém em casa e no centro de uma grande confusão, constrói uma cena quase risível e emblemática. Cassavetes honra do sobrenome do pai, ator de mais de 70 filmes, e prova que tem a sétima arte no sangue.
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bj