Tropa de Elite

José Padilha dirigiu o documentário "Ônibus 174" que foi um projeto de sucesso e elogiadíssimo pela crítica. Carioca da gema, o filme tratava da violência latente do Rio de Janeiro e caiu nas graças principalmente porque retratava um fato que parou o Brasil. O cineasta, logo depois da experiência, se aproximou da polícia militar fluminense e conheceu a rotina de policiais de perto. Em dois anos, ouviu histórias de 15 deles e reuniu inspiração do livro Elite da Tropa", do ex-capitão do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE), Rodrigo Pimentel - escrito juntamente com o sociólogo e especialista em estudos da violência Luiz Eduardo Soares. Baseando-se em relatos de psiquiatras e ex-traficantes, construiu o roteiro do que seria o seu segundo documentário, mas virou uma ficção quando entraram elementos de dramaturgia e o trabalho sensacional de atores como Wagner Moura e Caio Junqueira.

Narrado na primeira pessoa - de um capitão do BOPE que quer ser substituído -, "Tropa de Elite" passou por tudo que um filme bombástico tem que passar para virar cult (e possível hit): entrou na favela, a própria equipe foi assaltada, as filmagens paralisadas diversas vezes, recebeu críticas, protestos e uma cópia inacabada teria vazado para o mercado pirata. Caiu na internet, nos camelôs, e em alguns meses virou um dos filmes mais falados do metiê, chegando à proeza de estar na lista dos prováveis indicados pelo Brasil ao Oscar de 2008 (perdeu para "O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias", tão bom quanto) sem nem mesmo ter estreado comercialmente nos cinemas. Resultado: sucesso garantido antes mesmo de existir. Uma estratégia que, natural ou planejada, funcionou. Há interesses escusos, portanto, que parecem ter sido muito convenientes aos produtores. O protagonista, um ator global, ajuda bastante e obviamente até o programa Fantástico aderiu à onda.

A boa notícia é que o filme de Padilha merece todo esse estardalhaço. É uma encenação de uma realidade, de outro grande fato que pára o Brasil: a violência do confronto entre a polícia e os traficantes nas favelas. Mais cru que "Cidade de Deus", é um filme para quem tem estômago forte. As mulheres provavelmente vão sair da sala. Homens se chocarão. Professores, cientistas políticos, filósofos e petistas vão ter assunto por um ano. O roteiro é muito bom, pois conta uma história em cima de eventos muito presentes na vida dos cidadãos brasileiros, embora ainda desconhecida . Utilizando o dilema de policiais omissos, ousados ou corruptos, e suas mais diversas relações com os traficantes dos morros, o filme é uma mistura perfeita de ficção com realidade, com cenas impactantes e incrivelmente realistas. Sequências de dar nojo, pena, arrepios, tensão. Aliás tensão é uma palavra chave e um sentimento quase permanente durante a projeção. Nada que não sentiríamos se pudéssemos viver algumas horas dentro dessas comunidades sem sermos vistos. É triste, mas na tela vira obra de arte.

Depois da estrutura da narrativa, a câmera nervosa (bota nervosa nisso) é um ator a mais em cena, invadindo a intimidade dos personagens, dos becos, dos puteiros, da casa dos policiais e seus dramas. Por vezes clássica e parada, pula para a tradicional "câmera de ombro" em meio à perseguições e tiroteios. Algumas sequências sem corte e outras quase dentro dos olhos dos atores, enervando mais ainda os espectadores. Em um dado momento, o sangue espirrado dos confrontos chega a respingar na lente. E impressionante: nada parece apelativo. Ângulos diferenciados mostram as mini-histórias de cada um dos integrantes do enredo. Não há reparos técnicos a fazer: embora com acabamento próximo do amador, como se fosse um cinegrafista oficial do BOPE acompanhando a rotina dos policiais, o longa atinge um estado de perfeição cênica e fotográfica superior a de muitos filmes brasileiros.

O filme encerra seu ciclo de pontos positivos com o grupo de atores, que desempenham seus papéis brilhantemente, tornando a produção superior. Milhem Cortaz, de "Carandiru" e "O Cheiro do Ralo", interpreta um enojante sargento corrupto. Caio Junqueira, um aspirante fora da casinha que busca a excelência em seu trabalho. Maria Ribeiro, de "Tolerância", atriz até então limitada, não compromete em nada como a esposa do capitão do batalhão. Fernanda Machado, de "Inesquecível", uma revelação em beleza e interpretação. André Ramiro, um dos papéis mais importantes do filme. E claro, Wagner Moura, que faz toda a diferença. Transitando entre comédias na TV e no cinema, como "Deus é Brasileiro", e outras obras mais profundas, como "Cidade Baixa", o ator simplesmente arrasa e assina o livro de ouro dos grandes atores brasileiros. Chega de venerar Paulo Autran, Fernanda Montenegro, Lima Duarte. Não é que não sejam importantes, mas é que já temos uma nova geração fantástica de atores versáteis e de grande conteúdo artístico. Não precisamos mais nos repetir. Não precisamos ficar nos mesmos.

Assistir "Tropa de Elite" - que chega aos cinemas agora em outubro - não é imprescindível. Mas em todas as conversas, leituras e imagens estará uma referência deste grande filme. E o melhor: é brasileiro. Nosso cinema precisava disso.

PS.: Só um detalhe curioso me chamou a atenção: com todo o lobby da Rede Globo para que o filme seja sucesso, num dado momento aparecem cenas da visita do Papa no Rio de Janeiro, sendo recebido pelo então Presidente Fernando Collor de Mello. No canto da tela está o logotipo da Band. Estranho, não? Seriam imagens cedidas? Autorizadas? Uma referência ao jornalismo de credibilidade do grupo, notoriamente mais isento do que da Globo, por exemplo? Bem, tudo fica mais estranho ainda quando pararmos para pensar que quando Collor era presidente, o logotipo da Band não era verde e amarelo, como aparece no filme, e sim vermelho e preto, mudança que só ocorreu cerca de cinco anos atrás. Bota estranho nisso, hem?

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