Começa hoje o Festival de Cinema de Gramado

A 38ª edição do Festival de Cinema que começa hoje em Gramado, na serra gaúcha, traz uma força adicional, tentando enterrar fantasmas do passado que historicamente danificaram a trajetória desta disputa que volta a ser o maior concurso de filmes do país. Gramado já esteve à míngua nos anos 90, sofrendo com a falta de filmes brasileiros (era Collor, lembram?), se internacionalizou e tentou várias formas de competição, misturando as produções nacionais e estrangeiras. Recentemente, sofreu o abalo da suspeição de prestação de contas, esteve nas manchetes negativas dos jornais e seu presidente na época, Enoir Zorzanello, afastado do cargo. Assumiu Alemir Coletto, um homem simples que respondia pela secretaria de cultura da cidade, que pouco entendia de cinema. Mas se arvorou no conhecimento de profissionais, e decidiu, há quatro anos, fazer o Festival optar por um cinema de autor, com a inclusão de curadores Sérgio Sanz e José Carlos Avellar. Com isso o evento ficou mais cabeça, mais chato mas ganhou mais credibilidade.

Gramado sempre foi um eterno debate: o quê privilegiar? O glamour do tapete fashion onde pisam as estrelas quase sempre globais, que arrancam histeria dos fãs e distribuem autógrafos ou a sisudez do conteúdo fílmico, com uma programação e densa e representativa. Chegou ao cúmulo em alguns anos de termos atores de séries e novelas de TV que não tinham nenhum filme sequer em cartaz, ou sendo exibido no Festival. E em muitos anos a programação foi pobre, completamente à margem do que acontecia em termos de produção de Brasil: os melhores longas, brasileiros e gaúchos, passavam longe da serra gaúcha. Isso começou a mudar aos poucos, e neste ano, com alguns dias a mais (de seis para nove dias), a competição começa com um novo desafio: buscando o equiílibro, entre o intelectual e o popular.

A maior prova destas duas vontade é que quase sempre o prêmio popular foi para um filme completamente diferente daquele escolhido pelo júri. A grande interrogação agora é saber se será possível unir estas vontades dentro de um senso comum e uma programação ao mesmo tempo atraente e respeitada. Parece que isso pode acontecer, a partir desta noite, no Palácio dos Festivais, no centro de Gramado.

Aliás, uma das tônicas desse tão sonhado equilíbrio é o encontro de diretores veretanos e outros iniciantes na lista dos filmes inscritos e também dos selecionados. A proporção decidida por Sanz e Avellar, os curadores, é matemática: meio a meio. O filme de abertura do certame, por exemplo, está fora de concurso e se chama Bróder, assinado pelo jovem cineasta estreante Jefferson De. Com cenas reais filmadas na periferia de São Paulo, o filme aborda a questão racial e sócio-econômica da vida dos personagens.

O único filme gaúcho no páreo nacional é a adaptação do livro do escritor Josué Guimarães, Enquanto a Noite Não Chega, filmado por Beto Souza, o mesmo de Netto Perde sua Alma (2001). A história surreal é de dois velhinhos que esperam a morte numa cidade onde todos já se foram, apenas o coveiro que aguarda os dois. O livro pra mim é um dos melhores de Josué, estou curioso para ver como fica na tela. Os outros competidores vêm de São Paulo (Ponto Org, de Patricia Moran) e do Rio de Janeiro, representado por cinco longas: Não Se Pode Viver Sem Amor, de Jorge Durán, O Último Romance de Balzac, de Geraldo Sarno, 180 graus, de Eduardo Waisman, e Diário de uma Busca, de Flávia de Castro, sendo que este último aborda um personagem real que viveu em Porto Alegre. O quinto representante fluminense é o filme O Contestado, do veterano Sylvio Back, que é catarinense mas hoje está radicado no centro do país.


Da mesma forma, a competição estrangeira do Festival ganhou um valor interessante, com a presença neste ano de muitos países que nunca ou raramente estiveram antes na programação: Nicarágua, Colômbia, Venezuela, além dos tradicionais México, Uruguai e Argentina, estão concorrendo. São eles: El Vuelco del Cangrejo, de Oscar Ruiz Navia (Colômbia/França), Historia de un Dia, de Rosana Matecki (Venezuela), La Vieja de Atras, de Pablo Jose Meza (Argentina/Brasil), La Yuma, de Florence Jaugey (Nicarágua), Mi Vida con Carlos, de German Berger (Chile/Espanha/ Alemanha), Ojos Bien Abiertos, Un Viaje por la Sudámerica de Hoy, de Gonzalo Arijon.

O filme de encerramento é uma viagem que provavelmente vai agradar o público intelectual. Ex Isto, de Cao Guimarães, mistura documentário, ficção e a poesia de Paulo Leminski. Foi uma escolha especial dos curadores. A cineasta Ana Carolina, de Mar de Rosas e Das Tripas Coração, recebe o Prêmio Eduardo Abelim, que leva o nome do pioneiro do cinema gaúcho e brasileiro. O ator Paulo César Pereio, um dos símbolos do cafajeste na tela, é o homenageado do Troféu Oscarito e uma terceira homenagem será prestada ao presidente da Cinemateca Uruguaia, Manuel Martinez Carril.

A programação completa, as mostras paralelas e a relação dos curtas concorrentes aos Kikitos está no site oficial do Festival.

O Grupo Bandeirantes de Comunicação faz uma cobertura completa em rádio, TV e site de hoje até o dia 15, direto da Estação de Inverno do grupo no centro de Gramado. Acompanhe pelo site www.bandrs.com.br.

Eu estarei nos dias 13, 14 e 15 no Festival. O programa Cena de Cinema do sábado 14 será especial, ao vivo, direto da casa da Band em Gramado, pela Ipanema FM 94,9. No mesmo dia, à noite, faremos a transmissão da entrega dos kikitos pela Rádio Band AM 640. Todas as emissoras podem ser ouvidas pelo site da Band.

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