Enfim, "Tropa de Elite 2"

Demoro a escrever sobre Tropa de Elite 2, filme que vi em más condições e pré-estreia, e me abstive de alguns comentários precipitados. Asssiti-o novamente nesta semana, num golpe de sorte, com poucas filas e lugares sobrando. Até porque é um grande sucesso de bilheteria, e um dos longas mais disputados nas salas brasileiras neste momento. A obra de José Padilha é o filme nacional mais visto desde 1995, considerado "o ano da retomada do cinema brasileiro", ou seja, pós-Collor. O ex-presidente Fernando Collor de Mello, entre outras coisas, ficou conhecido por dizimar o mercado cinematográfico, com sua política cultural de desvalorização dos artistas brasileiros e do empobrecimento geral da nação e dos financiamentos para obras de arte em todos os segmentos. Nos anos 90, diretores começaram a parar de fazer filmes, e os festivais, como o de Gramado (RS), teve que internacionalizar-se para não morrer. Só para a gente não esquecer o que aconteceu.

Voltemos ao Tropa: o longa já tem mais de 6,3 milhões de espectadores e R$ 57 milhões arrecadados no país. O recordista anterior era Se Eu Fosse Você 2, de 2009, com 6,13 mi. O filme que traz Wagner Moura mais uma vez no papel principal é, porém, ainda o terceiro com maior audiência de toda a história do cinema brasileiro, atrás de Dona Flor e Seus Dois Maridos, de 1976, visto por 10,7 milhões de pessoas, e A Dama do Lotação, de 1978, que teve 6,5 milhões de espectadores, ambos com a atriz Sônia Braga. Em comparação com os outros filmes, mesmo estrangeiros, sua colocação também é muito boa: é o quarto colocado entre todos já exibidos no Brasil, ultrapassando franquias como Era do Gelo, Shrek e Piratas do Caribe. Rumores já dão conta da produção de um possível Tropa de Elite 3, que até então Moura tem negado e Padilha tem sido misterioso. No programa CQC desta semana, o diretor respondeu a uma pergunta sobre uma continuação desta forma: "eu disse que não vai ter continuação, mas como no primeiro filme eu também disse que não haveria um segundo, é bem possível que eu esteja mentindo". Enigmático.

Tropa de Elite 2 é um filme com F maiúsculo, desde a preparação dos atores, a cuidadosa direção e a consistência de roteiro. Violento, é um filme que agrada muito mais ao público masculino, mas bota o dedo na moleira de uma série de problemas brasileiros - como já era o primeiro filme - mas consegue ser mais contundente, maduro e diversificado. Com mais personagens, tem foco de ação em vários lugares e situações, unindo o suspense policial com o drama pessoal dos personagens, a crítica política e a tragédia da violência nas ruas do Rio de Janeiro. São muitos elementos conjugados harmoniosamente que garantem um grande resultado. É cinema de verdade, pra começar. Depois, um protesto político-social de primeira. E por fim, um passatempo tão bom quanto os melhores títulos do cinema mundial.

O mais incrível é que a obra de Padilha, provavelmente criada para ser um libelo pela pacificação social entre as classes (alta/média/baixa) e entre os segmentos da sociedade brasileira (viciados/traficantes/policiais/
políticos), consegue agradar os dois tipos de espectador: aquele que é engajado com a luta pelos direitos humanos se enoja com a violência e enxerga os criminosos como vítimas, elogiando a densidade e o propósito do filme. Já os outros, que "acham que bandido bom é bandido morto" (frase célebre repetida neste segundo filme pelo personagem Alberto Nascimento), deliram com as ações policiais, e torcem para a morte de todos os bandidos possíveis - desde o mais evidentes, até os policiais e políticos corruptos. esse efeito universal já acontecia no primeiro filme, mas aqui torna-se mais evidente.

Wagner Moura credita-se mais uma vez como um dos melhores atores do Brasil. Ele não espera a deixa para falar. Atropela a fala dos outros personagens, gagueja e até erra. Como nós, na vida real. Ele tem o texto na ponta da língua, dominando completamente o agora tenente-coronel Nascimento e jorrando-o na tela como ele quer - obviamente com dedo de Padilha junto. Os outros atores, todos, sem exceção, estão espetaculares, desde os mais discretos até os mais caricatos. O humor também está presente. O palavrão, costume preferido na verborragia do ser humano, também está lá. A corrupção, a mídia, a droga na família, a traição nos becos e a tristeza das vilas estão lá. Está tudo lá. Sem reparos.

Se realmente a terceira parte acontecer, o que parece estar meio evidente nas cenas finais sobre Brasília, corre-se o risco da fórmula se esgotar e parir um filme oportunista. No entanto, reconheço que há um manancial de elementos a serem aproveitados numa possível história que exponha os bastidores podres da capital federal. Não seria nada mal. Assim como o CQC esculhamba quase que semanalmente nossos poderes maiores, seus parlamentares e nobres agentes do executivo, o Tropa 3 poderá, de maneira muito mais séria e dramática, esgaçar as entranhas de um esquema fétido, real e ainda muito desconhecido do grande público. O cinema pode ser uma ferramenta brutalmente social, nesse caso. Longa carreira ao Tropa de Elite 2 e que continue batendo recordes.

Confira mais sobre o filme visitando o site oficial da produção.

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