Lars Von Trier, o nazista brincalhão

Esse foi o bafão cinematográfico da semana, sem sombra de dúvida. E não se fala de outra coisa em Cannes. até já esqueceram a Palma, que será entregue neste domingo 22 de maio. O cineasta dinamarquês Lars Von Trier, conhecido pelas suas revolucionárias obras do Dogma 95, como Dogville, Ondas da Paixão, Anticristo e Dançando no Escuro, ganhadora em Cannes em 2000, concedeu uma controvertida entrevista coletiva à imprensa na última quarta-feira onde chegou a declarar "que era nazista". A frase soou com uma boma e repercutiu em todos os veículos de comunicação do mundo. Na quarta-feira, eu lembro da imagem e da frase nos telejornais aqui no Brasil, poucas horas depois - embora sem muito contexto e profundidade. depois é que Trier, ao lado da equipe e da atriz Kirsten Dunst, estava falando de seu filme Melancolia, e caiu numa explicação sem sentido sobre sua ascendência judaica/alemã, que o levaram à tal frase. O dinamarquês afirmou que simpatizava "um pouquinho" com Hitler, disse que Israel era um "pé no saco" e chegou a resmungar a frase "a solução final para os jornalistas". Resultado: gentilmente expulso do festival.

O comunicado veio em seguida, divulgado pelos organizadores do evento, dizendo que o cineasta é "persona non grata" no festival. Através de uma de suas produtoras, Von Trier disse que "aceitou" o banimento. O Conselho de Diretores de Cannes realizou uma reunião extraordinária nesta quinta-feira para debater os comentários de Von Trier. Ao falar com jornalistas na quarta-feira sobre seu filme na competição oficial, "Melancolia", o cineasta se complicou ao falar da influência germânica em sua vida. “Eu achava que era judeu, era muito feliz por isso. Mas aí descobri que era nazista, quer dizer, minha família era alemã”, disse. “Eu entendo Hitler. Claro que ele fez algumas coisas erradas. Mas eu o compreendo. Claro que não sou a favor da Segunda Guerra, não sou contra judeus, nem Susanne Bier [a diretora de “Em Um Mundo Melhor”, que lança filmes pela produtora de Von Trier], Israel é complicado. Mas e agora, como termino essa frase?”

Segundo o comunicado, Cannes lamenta que o festival tenha sido usado para "expressar comentários que são inaceitáveis, intoleráveis e contrários aos ideiais de humanidade e generosidade" que guiam a existência do evento. "O Festival de Cannes oferece a artistas de todo o mundo um fórum excepcional para apresentar seus trabalhos e defender liberdade de expressão e criação", diz o texto, que condena as falas de Von Trier.

A Argentina reagiu rápido ao incidente. A Distribution Company (DC), distribuidora responsável por exibir "Melancolia" no Conesul, afirmou que desfez o contrato com a produtora de Von Trier e não vai mais promover o filme no país. No Brasil, "Melancolia" tem estreia marcada para 5 de agosto. Depois de perceber a má impressão que deixou na entrevista, Von Trier veio a público desculpar-se. "Se eu ofendi alguém esta manhã com as palavras que disse na coletiva de imprensa, peço desculpas sinceras", afirmou o diretor em um email enviado à agência de notícias AFP. "Não sou antissemita ou racista de qualquer maneira, e muito menos nazista", disse. O diretor dinamarquês, além de ganhar a Palma de Ouro em 2000, já havia concorrido outras oito vezes ao prêmio.

O presidente do festival, Gilles Jacob, afirmou à imprensa que aceitou as desculpas de Von Trier, embora o incidente fosse "suficientemente grave". "Nunca aconteceu em 64 anos. Thierry [Frémaux, diretor de Cannes] e eu mantemos uma posição, que é legítima. O conselho deu sua opinião e isso me parece que é o normal", comentou Jacob sobre a decisão do órgão de banir Von Trier. Por outro lado, "Melancolia" permanece na disputa pela Palma de Ouro. Os organizadores, no entanto, pediram discrição a Von Trier e solicitaram que, no caso de seu filme ser premiado, não compareça para receber o prêmio.

Entrevistado pelo site CINEMAX o realizador assume que foi mal entendido e esclarece o alcance da declaração que levou o festival a bani-lo. Ele diz que não se explicou corretamente. "Quando vejo o Hitler interpretado por Bruno Ganz dentro do bunker [cita o filme "A Queda"] consigo ver um ser humano ali e acho isso bom. Porque há um pouco de nazista em cada um de nós, e um pouco de ser humano em Hitler. Pensar de outra maneira é perigoso". Divertido, assume que aprecia a "doçura maravilhosa" da expressão persona non grata. "Não estou contente com o que fiz, mas esta é uma forma doce de ser castigado". E esclarece que está obrigado a manter "uma distância de 100 metros" em relação ao local onde decorre o festival. Mas não mostra ressentimento nem admite passar a enviar os filmes para outros festivais, como Veneza - "só conheço lá uma pessoa", adianta, reforçando a sua ligação com Cannes.

Minha leitura? Von Trier está rindo disso tudo. Conseguiu o que queria, muita mídia para suas falas e para si mesmo, e conseqüentemente para os seus filmes, sempre muitos polêmicos. Periga ganhar a Palma de Ouro e provocar um rebu ainda ainda maior. Assisti a entrevista coletiva pela televisão e acredito, piamente, que ele estava falando de maneira bricalhona sobre o nazismo, mas obviamente cometeu um erro, pois bem como disse a atriz Kirsten Dunst, "não se deve brincar com o nazismo". Dunst, protagonista de “Melancolia”, atendeu à imprensa após o direVtor ser expulso do Festival de Cannes e se mostrou visivelmente contrariada. Ela defendeu o diretor, dizendo que faz parte de sua personalidade fazer piadas frequentemente, mas completou afirmando que ninguém devia dizer “brincando” que é nazista. Sobre a decisão de banir o cineasta, Kristen disse apenas que era uma prerrogativa da organização. “Depende do festival, tem que perguntar a eles o que pensam sobre o assunto”, comentou. “Pelo menos estamos na competição e seremos julgados pelos méritos do filme”, acredita a atriz, embora a politização das declarações tornem quase impossível uma premiação.

Já é a segunda vez que Kirsten Dunst se vê no meio de uma polêmica no Festival de Cannes. Em 2006, ela estrelou “Maria Antonieta”, de Sofia Coppola, que foi considerado ofensivo aos franceses por tratar a maior vilã da França como uma garotinha romântica.

Veja o trecho da coletiva:

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