Leia a crítica de Dentro da Casa

Gosto de tudo que o diretor François Ozon faz. É um dos diretores mais ferinos, criativos e provocativos que conheço. Tem um pulso firme, encorpa seus personagens com grandes atores e encena histórias bem interessantes e recheadas de dilemas e polêmicas. E sempre exalta as mulheres, como ídolos do desejo masculino, e sem vulgaridade. Em Oito Mulheres, cada uma das personagens tinha uma história e brilhava de um jeito diferente. Em À Beira da Piscina, a tensão permanente entre uma mulher mais velha e uma deslumbrante adolescente (nesse caso o desejo masculino era do espectador) e mais recentemente em Potiche - Esposa Troféu, o triunfante desempenho de Catherine Deneuve - aliás, outra especialidade de Ozon, valorizar as grandes divas do cinema francês, colocando-as no lugar em que elas merecem.

Na seu mais novo longa, DENTRO DA CASA, o diretor está longe de ter feito uma obra-prima, mas igualmente nos entrega uma provocante narrativa sobre a curiosidade, cumplicidade e o desejo reprimido - neste caso do protagonista por Emmanuelle Seigner. Uma história simples baseada livremente em uma peça teatral que se agiganta na mão do afiadíssimo elenco coordenado por Ozon. Além de Emmanuelle, uma das atrizes fetiches do diretor, Fabrice Luchini, Ernst Umhauer e a inglesa Kristin Scott Thomas completam a robustez deste grande pequeno filme, que capta o espectador do início ao fim - que não é dos melhores, mas os 99% restantes compensam.

Tudo parte de Claude, o aluno da última fila na aula de literatura, que se apega a um colega e deseja entrar em sua vida, em sua família, em sua casa (daí o título) e vai confidenciando todos os passos ao professor da disciplina, que enebriado pelo talento do jovem ao escrever as redações, deixa-se levar também pelo aprisionamento de sua própria curiosidade, tornando-se dependente das missivas. Os fatos vão se sucedendo paralelamente em que as redações são corrigidas e revisadas, e uma cumplicidade entre professor e aluno se forma. Há um terreno limítrofe entre a ficção e a realidade, e o diretor brinca com isso, lembrando algumas pitadas de Woody Allen, onde personagens reais contracenam com os fictícios. A nossa curiosidade também é testada, e ficamos esperando a próxima carta do aluno, que vem em boas doses, dando um ritmo fabuloso ao filme.

Em paralelo genial, o professor debate as redações com a própria esposa, que entediada e em dificuldades no emprego, tem que decidir o que é novo, interessante e impactante para a sua galeria de arte. O que vemos então, é uma discussão permanente sobre os parâmetros da arte, o que é ela, quais seus limites, o que é preciso fazer para chamar a atenção do público, etc. Esse debate intelectual sem ser intelectualóide é fabuloso e extremamente contribuitivo para a formação de um pensamento crítico da plateia. Não exagera, não passa da medida e não atrapalha a trama principal, é apenas um tempero do roteiro.  

Ao ver a ficha de François Ozon me surpreendo que é mais novo que eu. Nascido no mesmo ano de 1967, porém alguns meses depois. Uma inveja boa toma conta de mim: puxa, como esse cara tão jovem conseguiu construir uma obra tão consistente. Fã e ao mesmo tempo comandante das atuações de divas do teatro e cinema franceses como Deneuve, Fanny Ardant, Charlotte Rampling, Ludivine Sagnier, Isabelle Huppert e Emmanuelle Béart e Seigner (acusando a idade neste novo filme), o diretor vai do drama ao musical, passando pela comédia vaudeville e a temática da tensão sexual.

Um espécime primordial do cinema francês: Dentro da Casa. Confira o trailer clicando aqui.


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