Opinião: as escolas terão que oferecer um modelo híbrido e opcional

Nos últimos dois anos meus filhos moravam com a mãe a 330 km da minha cidade, e eu só conseguia vê-los em fins de semana ou feriados ocasionais. Por cinco meses, devido à pandemia, não tive nenhum contato com eles além de chamadas de vídeo e muitas, muitas mensagens. Não saio de casa também por causa da minha mãe de 90 anos, que é grupo de risco altíssimo. Pra completar o quadro: todos os meus três filhos são asmáticos e eu também, além de pré diabético. 

Neste mês de agosto eles vieram morar comigo. 

O recurso da educação à distância está permitindo que eles sigam tendo aulas on-line todos os dias. Eu também consegui concluir o primeiro semestre de um mestrado de uma faculdade que fica a 40 km de onde eu moro. E só desta forma poderemos ficar juntos e levar adiante a segunda metade deste massacrante ano de 2020.

Crianças, Menina, Lápis, Desenho, Notebook, Estudo

Há pressões de todos os lados para reabrir negócios, recomeçar eventos, recuperar rotinas presenciais que todos nós precisamos e sim - o mundo também necessita disso. Entendo perfeitamente que a roda da economia precise girar e as pessoas parem de perder empregos e os negócios possam continuar abertos e funcionando.

Mas o pós pandemia talvez tenha conquistado como maior característica na sociedade a democrática chance de escolher. Será preciso em breve um modelo híbrido, que possa atender quem quer sair de casa, mas também a quem não pode sair de casa. Assim como os trabalhos em home office têm uma forte tendência de seguirem funcionando dessa maneira, com reuniões físicas misturando-se às digitais, outros segmentos precisarão oferecer o acesso de todos os tipos de públicos. O comércio já sabe que suas vendas eletrônicas funcionam e podem constituir um novo mercado, vigoroso e fiel.

Será que um artista que estará autorizado a voltar aos palcos poderá dar as costas aos milhares que ele descobriu que pode atingir através das lives? Um empresário perderá uma chance de fechar um bom negócio por não poder estar a tempo numa cidade longe, se tem a chance de usar o recurso da tecnologia para se comunicar com o parceiro ou cliente?

Sim, a tecnologia tem seus problemas e insuficiências. Uma aula eletrônica não substitui a presencial. Um dos meus filhos diz que não aprende muito dessa forma, que preferia quando podia falar pessoalmente com os colegas e o professor. Tinha a impressão que daquela forma absorvia mais conhecimento. Já eu, não conseguiria cumprir meus prazos, aulas, trabalhos e reuniões se não fosse o modelo de tele-conferência. E quero continuar assim.

No momento em que várias partes do mundo discutem - e praticam - o retorno gradual às escolas, assistimos a volta do coronavírus em países como a Nova Zelândia, que já tinha zerado os casos. A Espanha se tornou o primeiro lugar em casos da Europa, depois de ter tido uma reabertura. Também surgem, nesse contexto, suspeitas de reinfecção do vírus da Covid-19 em diversas partes do planeta - um verdadeiro desafio para a medicina, e uma potencial insegurança (mais uma) para a população.

Então, como promover a volta dos alunos aos bancos escolares de maneira segura? Não há uma regra única que funcione, e há quem diga que as aulas presenciais podem fazer eclodir uma nova onda de vírus. A Fiocruz alertou que a retomada da área educacional pode causar a morte de até 35 mil idosos e adultos brasileiros, que têm problemas crônicos de saúde e que moram com estudantes.

Nesta semana, o prefeito de São Paulo, a maior cidade das Américas, Bruno Covas, disse numa live que "se as escolas não conseguem controlar nem o piolho, imagina o Covid", argumentando que é contrário ao recomeço das aulas presenciais.

Certamente não haverá consenso. 

Existem, além disso tudo, casos como o meu: exemplifiquei apenas porque vivo o dilema do momento. Mas certamente muitos têm idosos e crianças em casa e, se saírem às ruas, poderão estar fazendo o vírus circular mais ainda. Por isso, defendo a chance de escolha de pais e alunos para acompanhar o modelo presencial ou digital, no momento em que acontecer. Escolas e universidades devem estar preparadas para apresentar um modelo híbrido que suporte as duas modalidades. E sim, é perfeitamente possível executar dessa forma.

Obviamente existem outras discussões paralelas também importantes, como o descompasso entre as escolas públicas e privadas, a possível perda do ano letivo e ainda o caso das tantas famílias que precisam mandar as crianças para o colégio para poder trabalhar. Compreendo que temos que lidar com essas variáveis. Mas é chegada a hora de planejar um retorno responsável, igualitário e que respeite as diversas características dos núcleos familiares brasileiros, no terrível momento que vivemos.

ATUALIZAÇÃO: no mesmo dia em que escrevi este artigo, o Ministério Público do RS se posicionou a respeito deste assunto, com uma opinião exatamente igual. Confira em https://gauchazh.clicrbs.com.br/educacao-e-emprego/noticia/2020/08/mp-diz-que-pais-e-estudantes-que-nao-quiserem-voltar-as-aulas-presenciais-devem-ter-opcao-de-ensino-remoto-ckdrv1o5n000c013g1rtg13nf.html 


Renato Martins
Editor da Rede #AtitudePositiva    

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