Coronavírus: as lições que podemos tirar da segunda onda na Europa

O Brasil terá uma segunda onda do coronavírus? Esta é a pergunta do momento. Por isso, nestas semanas que vários países da Europa estão impondo novas medidas de restrições e inclusive decretando novos lockdowns, os olhos do mundo se voltam para saber como as autoridades, a comunidade científica e a população está tratando do assunto.

Vamos, rapidamente, saber das notícias ruins que são inevitáveis: essa segunda onda atinge os mais jovens, até porque são eles que mais rapidamente saíram do isolamento; o vírus é potencialmente menos letal mas mais contagioso; cientistas investigam uma possível mutação, ou seja, uma nova cepa do coronavírus atacando nesse momento.


Foto: Enric Fontcuberta/EPA


Segundo o professor Domingos Alves, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto, o menor número de mortes se dá por um conjunto de razões, como por exemplo o uso mais corriqueiro da máscara, a melhoria dos tratamentos médicos contra a doença e justamente o fato dos mais  jovens serem infectados atualmente.

Enquanto países como Alemanha, França, Inglaterra, Portugal, Itália, Bélgica, Holanda, República Checa e a Grécia optaram por fechar novamente o comércio, restringindo eventos e aglomerações e permitindo a circulação de pessoas por no máximo uma hora na rua, comunidades como nós, brasileiros, têm a chance de observar as causas e consequências destes atos. Essa é uma boa notícia: poder aprender com o exemplo europeu, que sempre enfrentou antes de nós os efeitos da pandemia.    

Ivan França, infectologista do A.C.Camargo Cancer Center, avalia que o Brasil tem uma grande oportunidade de aprender com o que está acontecendo tanto na Europa quanto nos Estados Unidos. “Na primeira onda, nós não nos preparamos da melhor forma possível. Agora temos a chance de aprender com o que está acontecendo por lá”, diz. "Os padrões da segunda onda podem sinalizar o que tende a acontecer também por aqui."

“Não podemos baixar a guarda. O Brasil tem uma situação bastante parecida com os Estados Unidos, se mantendo em um platô bastante alto. Espera-se que haja uma segunda onda também por aqui, resta saber quando e o impacto”, afirma França.

Carlos Magno Fortaleza, vice-presidente da Sociedade Paulista de Infectologia e professor da Faculdade de Medicina da Unesp, em Botucatu (SP), concorda que não é hora de reduzir os cuidados. “Não podemos relaxar”, enfatiza. “Aqui não tivemos lockdown, apenas isolamento. Com isso, os brasileiros ficaram mais expostos e isso pode diminuir o impacto de uma segunda onda”, diz o professor. No entanto, ele comenta que esse impacto menor só será possível se houver equilíbrio entre parte imunizada da população com parte que continua tomando todos os cuidados.  “Se algo neste equilíbrio se desfizer, com certeza teremos uma segunda onda com impacto bastante intenso.”

Márcio Sommer Bittencourt, médico e professor da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein, lembra que a dinâmica de contaminação deste vírus é bastante complexa e, por isso, não se pode levar apenas um fator em consideração para avaliar o padrão dos novos casos. Para ele, o Brasil ainda está em um platô muito alto da doença. “É uma má ideia achar que isso vai se resolver por conta própria”, diz, ao comentar que a flexibilidade do isolamento social e a chegada do inverno na Europa podem ter contribuído para este cenário de aumento dos casos. “A lição que podemos tirar é que medidas como distanciamento social, uso de máscara e álcool em gel, quarentena de contato e testes são fundamentais”, finaliza.

Os cientistas insistem que como ainda não temos nenhuma vacina oficializada, não "existe uma bala de prata" contra o vírus, então é preciso reforçar as políticas de prevenção, os atendimentos no sistema de saúde e não afrouxar a fiscalização por parte do poder público. O professor Domingos Alves diz que é preciso testar mais pessoas. E desmontar estruturas de saúde tem sido uma decisão política de olho em eleições. "Do jeito que estamos, uma segunda onda mais severa no Brasil não é caso de 'se', mas de 'quando'", conclui o pesquisador.

Nessa mesma linha, outra ação que faz a diferença é o rastreamento de contatos. Na prática, isso significa ir atrás e informar rapidamente os indivíduos que estiveram próximos a alguém infectado pelo coronavírus de que eles também precisam fazer o teste e, se for o caso, obedecer uma quarentena.

Foto: PA Media
PORQUE É IMPORTANTE OBSERVAR, ESTUDAR E APRENDER

Na onda mortal de outono da pandemia de gripe espanhola de 1918, milhões de pessoas foram condenadas porque não sabiam o que agora entendemos sobre como os vírus e as doenças respiratórias se espalham.

Podemos enfrentar um destino semelhante em relação ao coronavírus em 2020 se algumas pessoas continuarem a ignorar o que um século de progresso científico e análise retrospectiva da história nos ensinou sobre como acabar com as pandemias.

A pandemia de 1918 ocorreu em três ondas, da primavera (no hemisfério norte) de 1918 ao inverno de 1919, matando de 50 milhões a 100 milhões de pessoas em todo o mundo. A primeira onda de março a junho de 1918 foi relativamente amena. A maioria das mortes ocorreu a partir de setembro de 1918, na segunda e pior onda da gripe de 1918.

A Covid-19 ainda não “ceifou tantas vidas quanto a gripe espanhola. Cerca de 675 mil pessoas morreram nos Estados Unidos até o final da pandemia de 1918”, disse Jeremy Brown, médico de emergência e autor de “Influenza: The Hundred-Year Hunt to Cure the Deadliest Disease in History” (“Gripe: A caça de cem anos para curar a doença mais mortal da história”, sem edição no Brasil). 

“Isso seria, proporcionalmente hoje, cerca de 3 milhões de pessoas nos EUA. A boa notícia é que não vimos esses números. É claro que os números são realmente assustadores. Mas a história de que estamos falando ainda não acabou”, continuou Brown.

Um novo aumento do número de casos e mortes por Covid-19 era algo que os cientistas já esperavam — e que pode acontecer em boa parte do mundo se algumas medidas não forem tomadas. Sempre lembrando que o vírus que causa a Covid-19 é muito novo e ainda se sabe muito pouco sobre ele.

Se há alguma notícia boa nisso tudo, é a possibilidade de prever cenários e observar a Europa. Esperamos sinceramente que a comunidade brasileira tenha a inteligência de fazer isso, decidir pelos caminhos certos e evitar que as eleições, as disputas políticas ou os interesses puramente econômico-comerciais ditem o comportamento daqui pra frente no país. 

Com informações dos sites da BBC, G1, UOL, Isto É, GZH, CNN, Isto É Dinheiro.

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