Opinião: o que ainda precisamos aprender sobre racismo no Brasil

Demorei a escrever algo sobre o caso do João Alberto, espancado pelos seguranças do supermercado Carrefour, até a morte na noite de quinta (19), em Porto Alegre. Não sei se tem alguma justificativa específica, simplesmente fiquei estarrecido com o fato e meio que congelei. Depois disso, notícias e elementos cada vez mais escabrosos do ocorrido se sucederam e ia tornando a atrocidade praticada pelos seguranças mais inacreditável. E choveram opiniões, as redes sociais em chamas, e os protestos aconteceram na frente do Carrefour. E pior: teve gente que relativizou também este episódio.


Foto das redes sociais


É inconcebível que em plenos anos 2020 a gente ainda viva esse tipo de coisa. Que ainda leia esse tipo de manchete, que fique convivendo com as várias versões de um homicídio claro, direto e fruto da discriminação. Nessas horas, voltamos ao tema do racismo, e vemos que pouco avançamos e pouco fazemos. É uma lástima que precise acontecer tragédias vergonhosas desse tipo para acordarmos do nosso atraso e da intolerância que estamos afundados e passemos a discutir alternativas parta diminuir o problema. Porta arrombada, tranca de ferro.

Penso que a maioria das falas e ações que forem feitas nesse momento de dor e tristeza, serão paliativos e quase inócuos para combater o racismo instalado em nosso país, que curiosamente, tem população composta por 56% de negros. Por exemplo: tudo o que o Carrefour fizer agora, não terá nenhum efeito. A revolta com a marca é muito grande. Doar um dia de renda da loja onde aconteceu o espancamento para as causas dos movimentos negros, por exemplo, é uma atitude pífia. Nada do que o Carrefour fizer ou disser vai amenizar ou compensar o que aconteceu. Ainda mais se o supermercado continuar a se manifestar através de notas oficiais escritas ou postagens no Twitter.

O que ainda precisamos vencer nessa triste história do racismo estrutural brasileiro é no sentido prático: os negros são minoria nos cargos de liderança no mercado de trabalho e entre os deputados do Legislativo. Há poucos magistrados negros. Uma pesquisa do Instituto Ethos mostrou que os negros ocupam apenas 4,9% das cadeiras nos Conselhos de Administração das 500 empresas de maior faturamento do Brasil. Entre os quadros executivos, eles são 4,7%. Na gerência, apenas 6,3% dos trabalhadores são negros. 

Entre aqueles que não têm emprego ou estão subocupados, negros são a maior parte. Também são a maior parte entre as vítimas de homicídio e compõem mais de 60% da população carcerária do país. Negros também são sub-representados no cinema, sendo minoria entre os vencedores e os integrantes de júris de premiações.

Os negros também são os que mais sofrem com a informalidade, que vem crescendo no Brasil nos últimos anos. Em 2018, 47,3% das pessoas ocupadas pretas ou pardas estavam em trabalhos informais, segundo o estudo do IBGE. Entre os brancos, o percentual de pessoas em ocupações informais era menor: 34,6%. Entre os 10% da população brasileira que têm os maiores rendimentos do país, só 27,7% são negros.

Em 10 anos – de 2007 a 2017 -, o Brasil se tornou um país com mais potencial de morte para negros do que para não-negros. A taxa de homicídios de negros cresceu 33,1% no período, enquanto a de brancos aumentou 3,3%. Ou seja, os negros são os que mais morrem e também são a população em que a taxa de mortes violentas mais cresce.

Ou seja, mais do que palavras, poemas, músicas, protestos e posts nas redes sociais, precisamos tirar a igualdade do papel (ou da tela) e fazer passar a valer na realidade entre os brasileiros. É com atitudes práticas, ações efetivas e presença maior dos negros em nossa sociedade que vamos enxergar o racismo diminuir, porque só no discurso também os efeitos não sejam tão positivos como desejamos. 


Renato Martins, jornalista e professor, editor da Rede #AtitudePositiva, com informações da Agência Lupa.

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