Opinião: o que precisamos fazer para parar a guerra de ódio?

Que temas como políticos, política, partidos, eleições, trocas de governos e gestões públicas dominem os nossos debates e vitaminem a cizânia nas redes sociais, como têm sido nos últimos anos, ainda vá. É verdade que não é mais um hábito salutar, já saímos de um debate cívico e passamos a nos digladiar em nossa rede social favorita para tentar desconstruir as opiniões das outras pessoas, não importando mais se são nossos parentes, se são nossos amigos e se frequentam a nossa casa. Esse fenômeno ficou conhecido no Brasil por separar parentes e destruir almoços de domingo, por causa da política e do estado em que ela se encontra neste país. 

Depois disso todos os fatos comentados na internet viraram fatos políticos. Não que a nossa vida não seja feita de atos políticos, obviamente. O homem é um ser político, como dizia Aristóteles. Mas nós tivemos o infeliz talento de conquistar um nível mais baixo, de transformamos as disputas de opiniões cotidianas em questões de vida ou morte, de direita e esquerda, de certo e errado, vaticinando todo aquele amigo, amiga, tia, cunhado, primo, prima ou mesmo grande amigo de infância que não estiver do concordando ipsis litteris conosco. Simplesmente tudo, mas tudo, virou caso de ideologia barata e rasa. 

Nós, internautas, viramos donos da verdade, não admitimos posições contrárias, nos transformamos em intolerantes profissionais e, tais como vizinhos lindeiros, passamos a brigar pelo latido do cachorro, pela cerca que balança, pela fumaça da descarga do carro, pelo barulho da máquina de cortar grama. 

A pandemia veio e nos deixou mais impacientes ainda e para muitos, deu mais tempo para frequentar as telas das redes sociais, para que pudéssemos comprar brigas desnecessárias e extremamente superficiais. As redes sociais viraram um ringue. O ódio tomou conta dos posts e dos inúmeros comentários. O símbolo da carinha fervendo de raiva começou a ganhar mais espaço e o Facebook virou uma terra sem lei, seguido de perto pelo Twitter. E, por incrível que pareça, também o Linkedin e Instagram tiveram momentos decepcionantes de lutas recheadas de irracionalidade e cegueira. Perdemos, ao longo de 2020, a capacidade de conviver com a opinião do outro. E notem, que não é um outro qualquer, estranho, forasteiro...são amigos, seguidores, pessoas que algum dia nos conectamos, pedimos ou concedemos amizade. 

Agora, infelizmente, a vacina é a bola da discórdia da vez: separou mais uma vez o país. Por mais que já esteja rachado. É como eu disse acima, parece uma luta de boxe: num canto do ringue, os que querem se vacinar e valorizam a ciência. No outro canto, aqueles que acreditam em tratamento precoce e duvidam das vacinas conforme suas nacionalidades. E não tem espaço para a terceira via, não há espaço para quem não quer entrar nessa discussão, e o ódio vitaminado segue explodindo nos posts desenfreados e cheios de energia negativa em nossa linha do tempo.

Mas isso todo mundo sabe, já conhece e provavelmente já experimentou. Estou chovendo no molhado. O mais importante agora é romper com esse círculo vicioso do “não concordo, então critico, te julgo e te condeno e não falo mais contigo”. Não és mais meu amigo. Corta a amizade. Temos que estancar esse processo infantil e procurar descobrir os valores de relações mais profundas e douradoras, que vão além  das discordâncias. É preciso, antes de qualquer coisa, respeitar o ponto de vista do outro e entender por que um dia pedimos amizade ao fulano ou concedemos ao beltrano. Temos algo em comum? Queremos lutar por algo juntos? Dividir ideias? Ou se os pensamentos forem opostos, como vamos crescer com esse debate? 

Atualmente, é triste: crescimento e evolução é o que menos vivenciamos. Nossos confrontos são vazios e cheios de ódio, que não levam a lugar nenhum. Fazem perder tempo, prejudicam nossa saúde e jogam fora anos de parceria. Já soube de amigos de 40 anos romperem por causa deste momento político. E o pior: por whats app. Será que tudo o que colhemos ao longo da vida conhecendo pessoas e desbravando terrenos desconhecidos em pensamentos e ideias pode ser descartado tão rápido e tão futilmente por causa de um tweet desaforado? Ou um post que não gostamos? Uma foto ou uma frase que afronta e dispara uma falta de civilidade incomensurável?

Na linha de raciocínio de tentar amenizar tudo isso, sugiro que pensemos numa coisa que é certa: dificilmente mudaremos a opinião do outro. As pessoas discutem e raramente chegam a um consenso. Ainda mais nos dias de hoje. Então quem sabe começamos a escolher quais embates que valem a pena? E quem sabe pensamos melhor se em alguns casos não estamos colocando em risco amizades verdadeiras, pessoas que são queridas e boas de conviver independente se ela toma cloroquina ou não? Se ela confia na Coronavac ou tem algum preconceito? É mesmo preciso distribuir links de pesquisas, textos, artigos, vídeos que nem sempre são críveis? Alguns nem sabemos quais as fontes e se elas são confiáveis... Costuma-se dizer que existe uma estatística para comprovar qualquer tese que venhamos defender, então, pergunto, quanto tempo temos em nosso dia para nos dedicar a essa guerra inócua?

Proponho que se você tem dúvidas sobre vacinas, leia, ouça e veja nos canais que comumente você confia, quem sabe o seu próprio médico, o jornalista ou o canal que você admira e já não lhe decepcionou outra vez. Recomendo que leia ao máximo e analise todas as visões possíveis sobre o assunto, mas observe quando há uma grande convergência sobre determinado ponto. O fato é quase 100 milhões de pessoas já foram imunizadas contra a Covid-19. Temos que confiar que estamos no caminho certo. Não há relatos de mortes e nem efeitos colaterais graves. As instituições estão sempre pesquisando e coletando as tendências do comportamento da população. Eu mesmo respondi a uma coleta de informações da Fiocruz esta semana que consulta sobre o medo e a intenção sobre a vacina no Brasil. Quanto mais subsídio, melhor. Quanto mais aferição e menos desinformação, melhor. Aí quem sabe começamos a combater essa guerra de ódio em meio a um evento tão maravilhoso como é a chegada da vacinação. Ou será que alguém tem satisfação em contrair o vírus ou ver alguém sofrer ou até mesmo padecer de Covid? Vamos organizar nossos pensamentos e usar a lógica de valorização do ser humano em vez da pura destruição para fazer valer a sua própria opinião?     

Renato Martins, jornalista e professor, editor da Rede #AtitudePositiva.










           

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