Conheça o Movimento "Respeito nas Redes", que busca a civilidade nas redes sociais

Um grupo de 27 professores-pesquisadores, profissionais e consultores da área da Comunicação, com atuação em vários estados brasileiros, lança nesta semana o Movimento #Respeitonasredes – por mais diálogo e menos cancelamentos. 




O Movimento tem início com um Manifesto, redigido de forma colaborativa, que traz uma reflexão sobre o momento que vivemos, a cultura do cancelamento e suas consequências. Alerta para o papel da sociedade, empresas, organizações, influenciadores, imprensa e instituições de ensino para o incentivo ao uso responsável das redes e promoção de uma cultura voltada ao diálogo. 

A iniciativa surgiu a partir da percepção deste grupo em relação aos excessos cometidos em algumas situações, levando a uma emoção coletiva nas redes, que acaba destruindo reputações. O documento pondera que, “marcas, empresas, organizações e pessoas são julgadas, condenadas e executadas pelo tribunal das redes sociais da internet”. E conclui que na cultura do cancelamento – exclusão sumária de quem, aos olhos e julgamento das redes, cometeu erros – passaremos a ver cada vez mais vozes sendo caladas pelo medo de perder trabalho, espaço ou sofrer ataques mais graves, que ultrapassam a barreira do digital e passam a ser um inimigo real, também fora da internet. 

O Manifesto na íntegra pode ser acessado no site movimentorespeitonasredes.com. Além desta ação inicial, o Movimento #Respeitonasredes – por mais diálogo e menos cancelamentos também terá presença digital nas redes, com parcerias sendo construídas para fazer as reflexões propostas chegarem a um número ainda maior de pessoas em todo o país. 

Manifesto completo:

Por mais diálogo e menos cancelamentos

A abundância e o acesso à informação são pontos positivos em uma sociedade aberta, democrática e disposta a promover a boa convivência social. A vitória da comunicação clara, transparente e intensiva sobre o obscurantismo, a omissão e a manipulação deve ser permanentemente celebrada, sempre que alcançada. E esse é o lado bom das trocas e diálogos que estabelecemos com a presença das redes sociais em nosso cotidiano.

Se antes éramos parte de um sistema que recebia informações prontas e em grande escala, atualmente temos um processo em que a construção das narrativas pode ser individual ou em pequenos grupos. Entretanto, o uso das novas formas de comunicação ainda requer aprendizado. Estamos nos familiarizando com a condição de termos vez e voz, de ver nossas opiniões circulando no espaço público sem a intervenção de um mediador que tenha o poder econômico ou o poder do conhecimento. 

O empoderamento ocorre porque todos os dispositivos tecnológicos têm como centro os seus usuários. É a lógica da mídia – ou a midiatização – que chega na rotina da sociedade, mesmo que ela não tenha o extraordinário espetáculo da notícia ou da novidade em suas mãos.  

Como profissionais imersos neste ambiente que constrói, gerencia, protege e recupera reputações de marcas, organizações e pessoas públicas, precisamos nos posicionar diante destes novos riscos e alertar sobre alguns rumos perigosos que se desenham na sociedade brasileira.

Nos preocupam o ódio e a intolerância que vêm se tornando rotina no relacionamento estabelecido nas redes sociais, produzindo destruição e adoecimento em larga escala.


Como acontece?

Tudo pode começar na simplicidade do cotidiano, como uma situação rotineira compartilhada que ganha visibilidade em redes conhecidas como Instagram, Twitter, Facebook e YouTube. No centro da questão, usualmente, estão temas polêmicos, posturas questionáveis, descuidos, brincadeiras de gosto duvidoso, promoções e campanhas equivocadas, alguma desatenção, os famosos “mal entendidos” e, também, as grandes manipulações intencionais, especialmente no mercado financeiro e na política.  

Quando o tema estabelece conexão com alguma emoção coletiva, entra em jogo uma verdadeira máquina de moer reputações. Reações, compartilhamentos, comentários e uma aceleradíssima distribuição um a um faz ecoar a emoção pública em um ritmo de verdadeiro contágio. Se as marcas ou pessoas envolvidas forem minimamente conhecidas, o potencial de disseminação é ainda maior.

Em pouco tempo, o assunto toma conta das trocas em aplicativos de conversa e se dissemina em múltiplas redes. Além do interesse genuíno de quem integra essas redes de indignação, é quase certo que a imprensa tradicional também vai se interessar, gerando a potencialmente destruidora sinergia entre redes sociais e portais, sites, jornais, revistas e programas de televisão.

Essa emoção pública compartilhada em larguíssima escala está fazendo proliferar a cultura do ódio. Marcas, empresas, organizações e pessoas são julgadas, condenadas e executadas pelo tribunal das redes sociais da internet. Uma verdadeira arma de destruição está apontada para todos.  

Nestes casos passamos a assistir mais que conversas bem intencionadas entre pessoas com diferentes convicções. As redes assumem o lugar de campos de batalha. São guerras ideológicas, políticas e sociais, muitas vezes potencializadas por um exército real de robots que viralizam artificialmente as causas para as quais estão a serviço.

Como humanos, seja no espaço pessoal ou por trás de marcas e de empresas, somos incoerentes e imperfeitos. Vamos errar sempre e poderemos aprender e melhorar a partir dos erros cometidos. 

Neste campo de batalhas que se transformaram as redes, as ações mais praticadas são cancelar, apagar e castigar, ou seja, destruir tudo aquilo que é diferente do que eu e meu grupo pensamos; destruir o outro, o estranho; desafiar e lutar com palavras, memes, vídeos e conteúdos que vão deixando as redes marcadas pelo sofrimento das vítimas cada vez mais frequentes e inesperadas. 

Com a cultura do cancelamento – exclusão sumária de quem, aos olhos e julgamento das redes, cometeu erros – sendo levada às últimas consequências, o que passaremos a ver são cada vez mais vozes sendo caladas pelo medo de perder trabalho, espaço ou sofrer ataques mais graves, que ultrapassam a barreira do digital e passam a ser um inimigo real, também fora da internet. 

Perdoar e renovar a esperança, atos tão essenciais quando acreditamos na natureza humana, parecem não caber. Sobra tempo para julgar e falta tempo para compreender. 

Precisamos compreender que a internet e suas redes parecem ser, muitas vezes, um território sem lei que nos conduz para uma espécie de barbárie on-line. No entanto, embora a liberdade de expressão predomine, há consequências formais e informais a partir do que manifestamos nas redes. 

Como profissionais, nos perguntamos para onde esse tipo de comportamento vai nos levar como sociedade. 

Acreditamos no equilíbrio, na democracia do acesso às redes e nas manifestações necessárias e respeitosas em um ambiente que aceite e incentive a troca de ideias e abra espaço para o contraditório. A oposição a ideias e comportamentos pode fazer parte deste contraditório, mas não o cancelamento de pessoas, projetos e organizações.

Esse cenário nos mobiliza a contribuir para a construção urgente de um processo de alfabetização midiática na sociedade. É preciso compreender a lógica e o limite das redes para garantir o potencial de desenvolvimento e empoderamento que elas proporcionam.

O esforço pode começar com um forte e intencional movimento de profissionais, de marcas, empresas e organizações públicas e do terceiro setor em favor do diálogo e da cultura do cuidado nas redes sociais. 


É fundamental que:

1. A sociedade compreenda a lógica das redes sociais e não aja com ingenuidade ou, simplesmente, como massa de manobra de agendas ocultas, em troca do simples prazer de se sentir protagonista.

2. A sociedade compreenda que as redes são espaços públicos, ou seja, que todas as atitudes estarão acontecendo em uma espécie de grande vitrine, podendo ser acompanhadas em tempo real e que não há direito ao esquecimento e arrependimento nas redes.

3. Os influenciadores digitais e as pessoas que protagonizam os espaços das redes continuem exigindo que marcas, organizações e pessoas públicas atuem com transparência e coerência. Mas que todos reconheçam que, como humanidade, estamos sempre a caminho: vamos errar e acertar. 

4. As empresas e organizações públicas, privadas e do terceiro setor contribuam para o desenvolvimento da consciência, promovendo o uso cuidadoso das redes em suas estratégias de marketing, assim como o comportamento ético de gestores e colaboradores. 

5. As instituições ativistas, escolas, universidades e entidades representativas promovam a valorização do diálogo franco e respeitoso, com opiniões divergentes, assim como as atitudes de tolerância.

6. A imprensa tradicional seja ponderada, cautelosa e continue contribuindo para reflexões sobre o cotidiano e que tenha cuidados no trato com as informações não apuradas e garimpadas das redes e, assim, as relativize questionando sua existência.

7. Os cursos de Comunicação, os estudiosos de forma geral e a pesquisa acadêmica contribuam para uma compreensão ampliada do fenômeno que vivemos na sociedade em rede.

Acreditamos que essas e muitas outras iniciativas possam contribuir para que a riqueza proporcionada pelo novo sistema de comunicação baseado em redes possa ter seu potencial melhor aproveitado pela sociedade.

Ao invés de estimular a cultura dos ataques e cancelamentos, de valorizar um fenômeno distorcido que gera atrasos sociais irreparáveis, vamos estimular uma nova cultura que permita a mudança de ponto de vista e o reposicionamento. 

Precisamos contribuir para o nascer de uma nova ética, que vai exigir de todos nós mais responsabilidade de atuação nas redes e em todos os relacionamentos que sustentam a coabitação social.

Mais informações no site oficial da campanha, veja aqui.


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