Tecnologia desenvolvida na UFRGS utiliza luz solar para entregar água potável a periferias urbanas

A busca por uma solução eficaz e de baixo custo para abastecimento de água potável em regiões periféricas culminou na obtenção da primeira patente verde da UFRGS. O registro, obtido em 2020, atende ao pedido de um grupo de cientistas do Programa de Pós-Graduação em Microbiologia Agrícola e do Ambiente (PPGMAA) responsáveis pelo desenvolvimento de uma tecnologia para tratar a água em fluxo contínuo a partir da luz solar, que se apresenta como uma alternativa barata e acessível aos métodos convencionais de tratamento e que também pode ser implementada em conjunto com eles.


Divulgação


O método já é conhecido e se chama SODIS (a sigla vem do inglês, solar water disinfection, desinfecção solar da água). Convencionalmente, consiste em colocar garrafas PET transparentes (ou outros recipientes transparentes) com o líquido sob o sol por pelo menos seis horas para matar microrganismos e tornar a água segura para consumo, graças ao calor e às radiações emitidas pela estrela. No entanto, o volume de água obtido é muito pequeno, exigindo um trabalho muito repetitivo e exaustivo – além disso, em regiões de baixa renda nem sempre há tantas garrafas ou recipientes disponíveis. O diferencial da tecnologia desenvolvida na UFRGS é que ela aquece e esteriliza água com os raios solares trabalhando de maneira constante, o que permite alcançar um volume de água muito maior do que a SODIS estática. O equipamento criado pelos pesquisadores também pode ser instalado no local de captação da água sem necessidade de energia elétrica e a baixo custo, sendo ainda bastante adaptável, tanto em dimensões como na forma de instalação.

O trabalho fez parte do mestrado e está tendo continuidade no doutorado do pesquisador moçambicano Beni Chaúque, no PPGMAA, onde o protótipo foi desenvolvido em parceria com o Laboratório de Obras Hidráulicas do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da UFRGS. Chaúque conta que procurou uma alternativa de abastecimento de água potável para atender a uma necessidade de muitas áreas rurais. “Os sistemas convencionais em larga escala, além de caros, só são adequados para locais como centros urbanos, com uma densidade demográfica grande. Embora seja obrigação abastecer todo o povo, as áreas menos populosas acabam não sendo rentáveis para os sistemas usuais”, explica. Segundo ele, o grupo buscou por um sistema eficaz – que forneça água o suficiente – e acessível e partiu do sistema SODIS, que já era conhecido, e de parte dos trabalhos da sua orientadora, Marilise Brittes, e do coorientador, Antônio Benetti. “A SODIS convencional é feita em um frasco transparente, uma garrafa vazia, colocada no sol por um tempo como seis horas , ou doze em dias nublados. Mas como usar isso para abastecer mais gente e ter maiores volumes de água? O volume de água tratada por unidade de tempo desse jeito é muito reduzido”, diz Chaúque. O objetivo dos pesquisadores era chegar a um equipamento capaz de esterilizar grandes volumes de água a partir da SODIS, barata e eficaz, sem uso de energia elétrica.

O grupo pesquisou sobre outras tecnologias em uso para a desinfecção de água. Antônio Benetti informa que, só no Rio Grande do Sul, foram encontrados cerca de dois mil pequenos sistemas de desinfecção, até um exemplo com uma série de garrafas expostas ao sol. Porém, explica o professor, dois terços desses sistemas têm um grande risco de manter a água contaminada microbiologicamente, em função de nenhum tratamento na água e de defeitos nos próprios sistemas.

A invenção

A tecnologia desenvolvida na UFRGS mostrou ter uma atuação microbiológica muito eficaz. A pesquisadora Marilise explica que o protótipo foi testado com diversas bactérias e protozoários e conseguiu desativar até microorganismos resistentes aos processos comuns de desinfecção d’água, como a cloração.

Beni Chaúque esclarece que o sistema funciona basicamente coletando e concentrando as radiações ultravioleta e infravermelhas do Sol. “Nosso sistema captura essas radiações e as concentra para a água que flui naturalmente pelo equipamento, reduzindo aquelas seis horas de desinfecção para minutos ou até segundos”, ressalta, acrescentando que o sistema, em escala experimental, chegou à desinfecção de um litro de água a cada noventa segundos. O resultado ainda não é o ideal, pois, conforme o coorientador Antônio, cada pessoa precisaria em média de 25 litros de água por dia, enquanto o sistema se mostrou capaz de produzir 360 litros em um dia. Outro aspecto a ser aprimorado é a forma de abastecimento do reservatório, que é manual. Mas Beni adianta que os cientistas estão desenvolvendo adaptações para que a água seja bombeada sozinha ao equipamento, a partir da força da gravidade ou da energia solar de painéis fotovoltaicos.

O sistema consiste em dois tanques, um de aquecimento e um de resfriamento, mais uma tubulação pela qual a água passa, recebendo os raios solares. Há um jogo de espelhos que direciona esses raios e concentra-os para os tubos onde a água está. Como o sistema permanece em fluxo contínuo – a água vai passando pelas tubulações e sendo esterilizada – o trabalho consegue ser feito em grandes volumes. Os bons resultados obtidos com o protótipo motivaram o grupo de pesquisadores a solicitar a patente.


Ilustração que explica o sistema criado pelos pesquisadores – Foto: Divulgação



Patente verde

O registro da patente foi feito com auxílio da Secretaria de Desenvolvimento Tecnológico (Sedetec), órgão da UFRGS responsável pela promoção da inovação e do empreendedorismo na Universidade. De acordo com Felipe Grando Brandão, chefe do Setor de Propriedade Intelectual da Sedetec, os pedidos de patente são encaminhados ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), que pode levar um longo período fazendo a análise da solicitação. No entanto, no caso de patentes verdes, esse trâmite é encurtado: “Uma das principais vantagens de conseguirmos enquadrar um pedido de patente dentro do Programa Patentes Verdes é que esse pedido passa a ter um trâmite prioritário. Uma das intenções é conceder [a patente] o mais rápido possível para que os titulares possam negociar com os interessados em colocar essa tecnologia no mercado, a serviço das pessoas e do meio ambiente. A ideia é que o quanto antes sabermos se essa patente foi concedida mais fácil e interessante é licenciá-la, mais rápido ela vai chegar até as pessoas”. Felipe complementa explicando que outro benefício da patente verde é o destaque que esse pedido recebe, servindo para divulgação de que essa tecnologia contribui para a preservação ecológica e a manutenção da vida humana na Terra.

Para os pesquisadores, o reconhecimento do pedido da patente não significa o término do projeto. Segundo Beni, a ideia é aprimorá-lo na sua pesquisa de doutorado. Além de alternativas de bombeamento da água para o reservatório, eles desejam desenvolver mais testes microbiológicos, com outros componentes químicos, e também planejam construir o equipamento em escala real.





Com informações da UFRGS


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