ARTIGO: a mudança paradigmática das viagens de negócio depois da pandemia

Cansei de pegar o primeiro voo de Porto Alegre para São Paulo, acordando 4h30 para chegar 6h no aeroporto, decolando às 7h e aterrissando perto das 9h30/10h no meu destino na capital paulista. Uma reunião ainda de manhã, um almoço e uma reunião muito rápida depois, e se estivesse chovendo, a partir das 17h eu já tinha que me deslocar para Congonhas (veja bem, e não Guarulhos) para pegar o  último voo do dia lá pelas 21h. Chegava em casa por volta de 23h ou meia noite, conforme as condições de trânsito e tempo. Conheço dezenas de executivos que faziam a mesma coisa, e viviam na ponte aérea. Todos eles estão, nesse momento, repensando essa sistemática de viagens. Eu já repensei. 

A tecnologia facilitou a conexão de muitos profissionais, parceiros, vendedores e clientes nesta pandemia e as empresas também estão preocupadas com as viagens que ocorrem por causa do trabalho: a ideia agora é verificar profundamente o motivo que realmente justifique o deslocamento das pessoas. Todo mundo está mais atento por várias razões: a sustentabilidade está na pauta, assim a redução de custos e a aceleração digital que coloca pessoas dentro de reuniões em segundos em qualquer lugar do mundo. 

Alguns sites de negócios que andei lendo afirmam que ainda é cedo para saber exatamente a redução das viagens após a pandemia, mas diversas consultorias já estão pesquisando e revelando essa tendência, como revelo nesse artigo mais adiante. Porém, já sabemos que muitos executivos querem preservar a importância do contato pessoal para estreitamento das relações e fechamento de negócios. Mas isso talvez não seja suficiente. A ocupação de um ou dois dias para um encontro longe da base pode ser mais prejudicial do que benéfico - fora o custo financeiro.

Imagem Pixabay

A estimativa da consultoria Bain & Company projeta um recuo definitivo de 35% para o segmento de viagens corporativas, o que afetará empresas aéreas, hotéis, agências de turismo e toda uma cadeia relacionada ao setor. Dados da Global Business Travel Association (associação internacional do setor) indicam que essa indústria movimentou US$ 1,4 trilhão em 2018 globalmente - pouco mais da metade disso apenas nos EUA e na China. No Brasil, foram US$ 30 bilhões em 2015.

Quem está preocupado são as empresas aéreas: em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o presidente da Gol, Paulo Kakinoff, reconheceu que um terço das viagens corporativas deve desaparecer. "Mas inspeções de engenharia e reuniões para vendas vão continuar presenciais. Uma reunião presencial vai acabar sendo até um diferencial competitivo", disse ele. A Latam, em uma nota,  declarou que "permanece acompanhando este cenário e acredita que haverá, no futuro, uma jornada mais híbrida, permitindo, aos poucos, a volta do passageiro corporativo."

Obviamente as plataformas de videoconferência como o Zoom, Google Meet e Microsoft Teams também terão seus custos, mas bem menores do que o querosene do avião, hotéis e a conta dos almoços e cafés em outras cidades. As viagens não serão reduzidas a zero, mas é bem possível que o número chegue próximo disso, num primeiro momento pós-vacina. “Minha impressão é que nunca mais vai voltar a ser o que era, embora o presencial continue importante”, diz Alexandre Bertoldi, sócio-diretor do escritório Pinheiro Neto, que reduziu em 90% suas jornadas distantes.

Mas há quem não abra mão disso, principalmente em terras onde a situação do coronavírus parece estar mais controlada. A rotina de viagens de negócios dos executivos da Avenue Securites, sediada em Miami (EUA), por exemplo, já retornou a níveis pré-pandemia: de 10% a 15% dos 160 funcionários, principalmente nos cargos mais altos, estão voando a todo momento. Com a imunização bastante avançada no país, o brasileiro Roberto Lee diz que há uma certa ansiedade de retomar encontros presenciais entre as empresas do país. “Os voos comerciais internos estão lotados”, afirma o CEO da Avenue.

No Brasil, não é bem assim. Até por ser um país continental, os voos são caros e, muitas vezes  demorados. E podem ser desnecessários. O sócio do escritório Machado Meyer Advogados, Tito Andrade, era conhecido dos funcionários do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, pois antes da pandemia, costumava se deslocar duas a três vezes por semana para Brasília, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Desde o início da pandemia, porém, Andrade viajou apenas cinco vezes. Ele diz que os voos devem voltar assim que for possível, mas não com a mesma frequência. O advogado imagina que a redução pode chegar a 40% na comparação com o pré-pandemia.

Uma coisa é certa: em todos os segmentos, a pandemia trouxe uma nova forma de trabalhar, onde funcionários e gestores precisaram se adequar ao momento. E muitas dessas heranças vão ficar. Eu aposto que, muito mais do que o hábito, é a redução de custo que vai pesar nas planilhas das empresas a partir de agora. Reunião de alinhamento? Faz on-line. Reunião de apresentação de projetos? Faz on-line. Reunião de feedback? On-line. Provavelmente os encontros presenciais serão prioridade quando a ordem será vender o peixe para o cliente, ou quando este exigir um olho no olho. Pois as visitas externas aos clientes continuam sendo muito importantes dentro do processo de vendas e não podem ser deixadas de lado.

O que conseguir sobreviver desse setor deve enfrentar uma retomada lenta. Um estudo da consultoria McKinsey mostra que as viagens internacionais a negócios originadas nos EUA levaram cinco anos para se recuperar completamente após a crise de 2008, enquanto as viagens a lazer levaram apenas dois anos. As consultorias também pesquisaram com os executivos de empresas, que dizem enxergar um lado positivo da quarentena, citando o fato de estar viajando menos e tendo mais tempo com a família. E quem não gosta disso?


Renato Martins, jornalista e professor, editor da Rede #AtitudePositiva.


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