Pesquisadores da Fiocruz criam projeto para prever novas epidemias

Pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) estudam alguns dos animais silvestres mais caçados no Brasil para tentar prever novos surtos e epidemias, a partir de patógenos presentes neles. Eles já identificaram mais de 160 organismos como vermes e bactérias presentes em cerca de 60 espécies de animais silvestres. 

Sumaia Villela/Agência Brasil

A ideia é que se possa tomar providências com antecedência para evitar novas pandemias como a do novo coronavírus, que causa a Covid-19.    

A rede de notícias CNN entrevistou três cientistas que coordenam a pesquisa, Paulo Sergio D’Andrea, Cecilia Andreazzi e Gisele Winck. Eles afirmam que dos mais de 160 patógenos listados, apenas quatro não são reconhecidamente nocivos para os humanos. 

Enquanto isso, cerca de 158 foram identificados como agentes causadores da febre maculosa, leptospirose, raiva e leishmaniose. Há ainda pelo menos 10 patógenos detectados causadores da febre hemorrágica, uma complicação grave que surge em infecções por vírus, como a febre amarela.

“Esse número pode ser muito maior. Nossa grande motivação é ter uma previsão mínima para que a gente consiga antecipar o enfrentamento de uma epidemia. Quem será, de onde virá e onde acontecerá? E claro, saber o que podemos fazer para evitar o surto. O foco é estimar o risco de surgir uma nova epidemia no Brasil, pela transmissão do animal para o humano”, explica Paulo D’Andrea. 

O projeto, que faz parte da iniciativa SinBiose/CNPQ (Centro de Síntese em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos), também tenta estimar o risco de epidemias e surtos nos estados brasileiros.  Os coordenadores adiantaram à CNN que das 27 unidades federativas, sete estão em alto risco, 12 são classificadas como médio risco e outros seis estados em baixo risco. Na análise foram consideradas características ambientais, sociais, econômicas e de infraestrutura.

Apesar de alguns patógenos não serem nocivos no momento, não significa que não deve haver preocupação. Ao longo da evolução desses microrganismos, pode ocorrer uma mutação que os permita infectar os humanos.  

“A pandemia atual é um exemplo disso, já que diversos tipos de coronavírus já circulavam nos ecossistemas silvestres no mundo inteiro. Provavelmente, o SARS-CoV-2 passou a ter contato com os humanos, seja através da caça de morcegos, de um hospedeiro intermediário ou do mercado de animais vivos, e, em algum momento, desenvolveu uma mutação que permitiu que os humanos fossem contaminados”, explica Cecilia Andreazzi.  

Até o momento, há 27 organismos detectados pela análise sem informações prévias. De acordo com os pesquisadores, o Brasil apresenta carência de informações. Apesar de existirem muitos estudos sobre o tema, não há ainda uma lista de todos os patógenos de animais silvestres. 

Por isso, esse também é um objetivo do estudo, acumular informações específicas sobre esses vírus, fungos, bactérias, parasitas e vermes. Em setembro do ano passado, os pesquisadores iniciaram o banco de dados para contribuir com a vigilância de doenças que podem surgir.  

A transmissão de doenças pelos animais pode ocorrer de diversas vias. No estudo, é observado, em geral, as espécies caçadas. No consumo nacional, alguns animais silvestres apresentam maior preferência dos brasileiros, como pacas, tatus, capivaras e gambás. Em todos eles já foram detectados algum tipo de patógeno.  

Os cientistas da Fiocruz afirmam que realizarão um estudo posterior para focar exclusivamente na questão da caça e do tráfico de animais silvestres como facilitadores do contato humano-animal.  


Caça Silvestre

Proibida no Brasil desde 1967, a caça desses animais tem potencial para ser uma ameaça à saúde pública. O biólogo e gerente de Fauna do Inea (Instituto Estadual do Ambiente), Marcelo Cupello, explica que o contágio das infecções pode ocorrer de várias formas, além do consumo da carne.? 

“A porta de entrada para doenças de animais silvestres é muito grande, tem uma gama de possibilidades. Além do consumo da carne, muitas vezes os caçadores fazem a limpeza dos animais já no local da caça, sem manuseio adequado, sem higiene ou instrumento necessário. O contato com feridas e até com a respiração do animal também é uma fonte aberta de propagação de vírus e bactérias quando você está exposto nesse tipo de situação. Até o contato com a roupa do caçador pode ser perigoso”, afirma.?  

Já Hugo Fernandes, biólogo e professor da Universidade Estadual do Ceará (UECE) ressalta que é desnecessário banir o consumo de carne silvestre no Brasil. Isso porque a questão engloba milhares de pessoas??e uma atividade que envolve fatores socioeconômicos e culturais, além de uma profunda dependência. Ele destaca? que é preciso compreender o contexto em que a caça está inserida.?  

“Ainda há milhares de pessoas no Brasil que dependem da caça para sobreviver. Se eu pegar, por exemplo, o contexto de uma comunidade ribeirinha na Amazônia, um caçador entra em contato com determinado animal, e distribui a carne para a comunidade em que ele vive, o risco de uma epidemia é mínimo porque exige outras variáveis. Ao mesmo tempo, na própria Amazonia há um comércio ilegal de carne silvestre e de animais vivos, que atinge grandes conglomerados urbanos. Ou seja, começa no interior de uma floresta, envolve intermediários, transporte interregional até chegar no espaço urbano. Ai sim, dessa forma, temos a caça como potencial de ameaça à saúde pública, porque você está trazendo patógenos conhecidos e desconhecidos e colocando em um caldeirão de variáveis mais preocupantes do que uma comunidade ribeirinha que está fazendo uso de subsistência”, explica.??  

Fernandes destaca ainda que a variável mais importante é o desmatamento. Segundo ele, a caça é um elo final, que pode ser quebrado.?  

“A primeira coisa que a gente tem que discutir agora é o desflorestamento zero, principalmente na Amazônia. Esse é o principal fator que abre? caminhos para? um desequilíbrio ecológico entre os animais silvestres e seus patógenos, o que possibilita possíveis epidemias. A caça vem como uma das maneiras desses patógenos chegarem aos seres humanos”, afirma.  

As doenças também podem chegar aos humanos por meio de mosquitos, transmissores, por exemplo, da malária. De acordo com Fernandes, a cada quilômetro quadrado de Amazonia desmatada, são 27 novos casos de malária. 

Também em entrevista à CNN, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Alberto Chebabo, destaca que, para ele, o problema ambiental é maior que o da saúde.?  

“A caça não deixa de ser uma ameaça à saúde pública. Você está invadindo o habitat natural dos animais silvestres e existe um risco, como malária, ebola. Mas o maior problema, na minha opinião, nesse caso, é a eliminação de espécies que estão em extinção. Tem pessoas que fazem isso de hobby, não comem, não fazem nada com a carne, matam os animais por diversão”, afirma. 

Com informações da CNN




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