A pandemia faz crescer o uso da bicicleta em várias cidades do mundo

Um exemplo de como uma coisa ruim - neste caso, muito, muito ruim - pode trazer uma consequência  benéfica: a pandemia fez com que mais e mais pessoas passassem a usar a bicicleta para sair de casa. Há um grande contingente no mundo de novos ciclistas, ou seja, pessoas que não tinham este hábito e aumentaram a sua frequência de uso deste meio de transporte. Os efeitos do aquecimento do planeta também somou-se ao crescimento do interesse das pessoas para esta mudança social positiva.

O interessante é que o 'boom' das bicicletas está acontecendo inclusive em lugares improváveis. 

Novos dados do Strava, o aplicativo de rastreamento de condicionamento físico usado por 68 milhões de usuários globais, mostram que várias cidades dos Estados Unidos tiveram a partir de 2020 um crescimento significativo de viagens por bicicleta e na quantidade de ciclistas a partir de 2020.

Entre as seis cidades americanas que despontam nos dados da Strava - Houston, Portland, Los Angeles, Chicago, Washington e Nova York - destacam-se duas: Houston (Texas) e Los Angeles (Califórnia). São duas importantes metrópoles, onde apenas 0,5% e 1% das respectivas populações pedalavam para trabalhar em tempos pré-pandêmicos. 

Em Houston, o volume total de viagens a pedal foi 138% maior em maio deste ano do que no mesmo mês em 2019. Em Los Angeles, o salto foi de 93%. Essas duas cidades, mais que outras nos EUA, também viram aumentos de ciclistas em abril, o primeiro mês inteiramente vivido sob a determinação de ficar em casa e de paralisações na atividade econômica.

Por sua vez, entre as outras grandes cidades americanas que também viram mais gente pedalando durante esta primavera-verão [período de abril até fim de setembro], vale citar o caso de Nova York. Lá, houve até uma queda nas viagens em abril, mas nos meses seguintes o crescimento no ciclismo foi constante, sendo que em julho, na comparação anual, esse aporte foi de quase 80%. Também Chicago viu aumentos significativos em julho, embora mais modestos, da ordem de 34%.

Os números refletem todas as viagens de bicicleta feitas por usuários da Strava nessas cidades, tanto para exercício e lazer quanto para fins utilitários. Embora o aplicativo seja mais conhecido como uma ferramenta para entusiastas do fitness, um porta-voz da Strava Metro, a divisão que forneceu os dados, disse que os usuários estão cada vez mais registrando viagens para o trabalho, escola, recados, instalações de saúde e outros destinos essenciais. 

Confiança no medidor

Uma pesquisa dos Centros de Controle de Doenças dos EUA, comparando os usuários do Strava que rastreiam suas bicicletas e caminhadas no aplicativo com os dados de deslocamento do U.S. Census Bureau, avalia que o Strava é um indicador confiável de como a população em geral se move. 

Há algumas semanas, a empresa anunciou que uma plataforma web que agrega e analisa as viagens da Strava a pé ou de bicicleta agora pode ser usada gratuitamente por planejadores urbanos, prefeituras e por aqueles que se candidatam para defender a segurança nas ruas [medida prevista nos EUA].

Os dados do aplicativo confirmam outros de relatórios sobre as mudanças na mobilidade urbana no período da pandemia. Os registros indicam que, ao mesmo tempo em que houve queda no uso do transporte público, os estoques das lojas de bicicletas se esgotaram, assim como aumentou o compartilhamento de bicicletas em localidades como Nova York e Londres, na Inglaterra.  

Outro dado a se destacar é que estas seis cidades americanas faziam parte também de uma tendência nacional na covid-19 de criação de “ruas calmas” ou de “ruas seguras”, espaços onde os governos limitaram o acesso de veículos e liberaram área para pedestres, ciclistas e para lazer ao ar livre. 

Aquecimento global

Os dados também destacam a influência que fatores como o clima podem ter no ciclismo. O calor recorde em janeiro e fevereiro de 2020 pode ser a melhor explicação para o fato de Nova York, Washington e Chicago registrarem aumentos nas viagens de bicicleta antes mesmo do início da pandemia, afirmou Ken McLeod, diretor de políticas da League of American Bicyclists (organização nacional de ciclistas nos EUA).

Entre as seis cidades, a exceção fica com Portland, que em alguns meses, na comparação com 2019, não registrou aumentos no volume de viagens de bicicleta, nem em mais grupos de ciclistas pelas ruas, no ranking do Strava. Vale dizer que Portland, que aparece regularmente em listas de cidades amigas do ciclismo, também teve um grande aumento nas viagens de bicicleta em fevereiro. Mas o que levou a quedas, na comparação ano a ano, em maio, junho e julho, ainda não está claro. 

Uma explicação levantada é que ela já era uma das principais cidades para o ciclismo no país, o que torna os ganhos percentuais substanciais mais difíceis de se alcançar. O Strava não forneceu números brutos que mostrariam os ganhos e perdas absolutos em cada cidade.

Reino Unido

Dados recentes do governo do Reino Unido ajudam a mapear quem são os novos ciclistas pós-pandemia. Enquanto o uso da bicicleta para transporte caiu 20% ao longo do último ano de pandemia, o uso da bicicleta para o lazer aumentou em mais de 75%.

Os dados britânicos espelham os números da empresa de bicicletas compartilhadas Tembici. Em seminário, o CEO da empresa, Tomás Martins, apontou a mudança de perfil dos usuários do sistema. O lazer ganhou importância nas cidades brasileiras em que a Tembici mantém operações.

Mais carros, menos vendas de bikes

Com ruas mais congestionadas diante da diminuição das restrições de circulação, o receio do mercado é que o boom no aumento no uso da bicicleta pode chegar ao fim. No Reino Unido, as ciclofaixas emergenciais, implementadas em diversas cidades, ajudaram a reverter uma lenta queda no uso das bicicletas pelos ciclistas britânicos.

Além disso, o levantamento do departamento nacional de trânsito britânico trouxe a percepção dos lojistas de que as vendas de bicicleta dependem da segurança dos novos ciclistas nas ruas. Na prática, mais carros nas ruas, sem aumento no número de ciclovias, pode significar menos vendas de bicicletas.

No Brasil, sem uma política nacional consistente de incentivo ao uso da bicicleta, o governo federal aproveitou o Dia Mundial sem Carro (22 de setembro) para o lançamento do Selo Bicicleta Brasil. 

A iniciativa, de reconhecimento de estabelecimentos públicos e privados que promovem o uso da bicicleta, é um prolongamento da política nacional de mobilidade urbana. E deve estar aberta à participação de interessados já a partir deste mês de novembro de 2021. 


Office of the Mayor/NYC


Nova Iorque

Investir em estruturas voltadas para pedestres e ciclistas é a solução para promover o crescimento econômico nas cidades. Essa é a conclusão de um estudo nos Estados Unidos que mapeou os ganhos de se construir ciclovias e espaços públicos de qualidade.

A pesquisa traz inúmeras referências técnicas, mas que podem ser resumidas em princípios simples:

- Infraestrutura segura para bicicletas faz com que a população pedale mais;

- Quem pedala compra mais bicicletas, acessórios e planos de bicicleta compartilhada. Isso movimenta as lojas e o mercado de bicicleta em geral;

- Quem usa a bicicleta também compra em outras lojas do comércio em geral. Empresas que recebem bem ciclistas também se beneficiam com mais bicicletas nas ruas;

- Pessoas que usam a bicicleta nas férias vão a restaurantes, gastam em viagens e hospedagem. Isso significa milhões de dólares através do cicloturismo para as cidades norte-americanas;

- Todos os gastos de ciclistas significam mais empregos e impostos nas comunidades. Além, é claro, da economia individual no bolso de quem pedala. Afinal, a bicicleta ajuda a reduzir os custos com transporte e com o carro particular, deixando mais dinheiro para ser gasto em pequenos negócios locais;

- Por fim, existe ainda a economia de gastos com saúde, um benefício para indivíduos, empregadores e também para o poder público.

Apesar de mapear a realidade nos EUA, o estudo deixa claro que os benefícios se aplicam em todo o mundo.

Com informações do site Mobilize Brasil



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