Conheça o cientista brasileiro formado na UFRGS que descobriu a nova variante de Coronavírus

A descoberta da variante do novo coronavírus, Ômicron, deixou o mundo em alerta e a comunidade científica está trabalhando arduamente para descobrir informações novas sobre a cepa, quem transmissibilidade rápida e um alto número de mutações. Ainda não há estudos conclusivos, mas as características iniciais indicam que as atuais vacinas não oferece proteção a esta variante que surgiu na África.

Imagem Facebook do Cientista
O cientista brasileiro Tulio de Oliveira é diretor do Ceri, o Centro para Resposta à Epidemias e Inovação da África do Sul, país onde foi identificada a variante. Segundo ele, é preciso ajudar o país a conter a nova ameaça, e não isolar a região. Ao apoiar o continente africano, diz ele, será protegido o planeta. O cientista nascido em Brasília tem 45 anos e foi peça-chave na identificação da variante. Vivendo há quase 25 anos no país africano, Tulio faz ioga e meditação. Com cabelos longos que ultrapassam a linha do ombro, costuma trabalhar de sandálias, e não é raro aparecer em algum lugar descalço.

No tempo livre, gosta de fazer trilhas, nas quais diz se reconectar à natureza. Menciona com frequência o ubuntu, filosofia africana que prega a solidariedade e a compaixão entre os seres humanos e o ambiente. São características que ele traz de berço. "Os pais dele eram hippies hardcore, eles eram todos bicho solto", diz o amigo Vitor Hugo Szortyka, que o conhece desde a adolescência, quando estudavam no Colégio Marista Champagnat, em Porto Alegre (RS).

"Túlio se interessava muito por física, química, biologia, matemática. No inglês dava umas patinadas, até hoje tem muito sotaque, mesmo morando tanto tempo fora", afirma Szortyka, atualmente vivendo na Suécia, onde trabalha numa empresa de softwares. Oliveira teve uma infância nômade por diversos estados, acompanhando o pai, engenheiro carioca, e a mãe, arquiteta nascida em São Tomé e Príncipe, arquipélago colonizado por portugueses na África Ocidental.

A família acabou se estabelecendo na capital gaúcha, o que explica o sotaque, a torcida pelo Internacional e a dificuldade em abandonar o consumo de carne, apesar do estilo de vida alternativo.

"Ele tinha QI alto e era meio excêntrico. Era skatista, já naquela época era cabeludo", diz Marcelo Zanotto, outro amigo de colégio, hoje atuando como designer em Porto Alegre. "Sempre foi muito inteligente, mas nunca foi 'CDF'. Chegava à escola e nem sabia que ia ter prova, daí pegava o caderno de um colega, dava uma olhada rápida e tirava nota boa", afirma Zanotto.

Hoje, o jeito relaxado do cientista convive com uma disciplina férrea na atividade que o projetou no meio científico, o sequenciamento de vírus. No último dia 25, foi Oliveira quem deu o alerta para o governo sul-africano de que uma nova variante do patógeno causador da Covid-19 havia sido identificada.

"Não vejo como outros países em desenvolvimento vão compartilhar informação como fizemos, dada a reação que houve contra a África do Sul. [...] Isso me deixa indignado", disse à revista americana New Yorker. 

Formado em biotecnologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ele chegou à África do Sul em 1997, quando a mãe foi trabalhar lá. Desde então, construiu a carreira no país, que adotou como casa. Vive atualmente perto de Durban, na costa leste. Sua mulher e os três filhos são sul-africanos, e antes da pandemia ele vinha ao Brasil esporadicamente, para visitar parentes ou participar de algum evento acadêmico.

No país africano, Oliveira fez mestrado e doutorado na área de biociências na Universidade de KwaZulu Natal (UKZN). Também ganhou bolsas de estudo em instituições britânicas. Passou a estudar o vírus da Aids, doença que tem alta prevalência no continente africano, e a publicar estudos em revistas especializadas de prestígio, como a Nature. Também dedicou-se à pesquisa das chamadas arboviroses, doenças transmitidas por insetos, como a zika.

Em 2017, fundou um centro ligado à UKZN para análise da estrutura genômica dos vírus. Segundo disse à época, um dos objetivos era construir uma unidade de pesquisa que não devesse nada às dos melhores centros científicos mundiais, de modo a estancar a "fuga de cérebros" do país para Europa ou EUA. Assim, quando a Covid-19 eclodiu, ele e sua equipe foram uma opção natural para participar dos esforços de acompanhamento da evolução do coronavírus no país.

A personalidade informal, dizem amigos, o ajudou a atrair talentos e, principalmente, recursos para a empreitada. Oliveira tem linha direta com o alto escalão do governo sul-africano, que financia parte de suas pesquisas. Foi ele quem comunicou pessoalmente ao presidente Cyril Ramaphosa sobre a ômicron.

Também consegue verba de instituições multilaterais, como a União Europeia, além de não ter receio de pedir dinheiro a bilionários como Elon Musk (Tesla), Jeff Bezos (Amazon) ou Warren Buffett (Berkshire), os quais costuma marcar em redes sociais. Um de seus patrocinadores é o bilionário sul-africano de origem chinesa Patrick Soon-Shiong, do setor farmacêutico, com fortuna estimada em US$ 8 bilhões.

"Túlio sempre procura captar profissionais de diversas partes do mundo para trabalhar. Como temos um alto nível de publicação [em periódicos especializados], conseguimos financiamento de fora, e com isso podemos comprar equipamentos e insumos de ponta, o que gera mais pesquisas", diz Vagner Fonseca, pesquisador baiano que trabalha com Oliveira desde 2015, transitando entre o Brasil e a África do Sul.

O círculo virtuoso tem dado frutos. Em setembro, Oliveira abriu uma nova estrutura no país, o Ceri (Centro para Respostas a Epidemias e Inovação), que se define como um consórcio de cientistas e autoridades de saúde. Ao todo, são cerca de 50 pessoas trabalhando sob o comando do brasileiro. 

Fonseca, que é ligado à Fundação Oswaldo Cruz e está no Brasil desde o início de novembro, participou a distância do trabalho que levou à descoberta da ômicron. "Temos um programa de vigilância genômica. Toda segunda-feira, amostras do vírus da Covid colhidas em diversas partes da África do Sul são trazidas para sequenciamento no laboratório, e por isso a gente consegue identificar muito rapidamente qualquer novo padrão ou alteração", diz ele.

A equipe de Oliveira começou a desconfiar de algo errado quando casos começaram a crescer de forma exponencial no início de novembro em alguns dos principais centros populacionais do país, sobretudo na província de Gauteng, coração econômico sul-africano. "Quando a pandemia está relativamente controlada e o número de casos começa a subir de repente, é porque apareceu alguma coisa", disse.

A primeira desconfiança, afirma, era que fosse um repique da delta, variante que foi detectada primeiro na Índia e se espalhou pela África do Sul. "A gente torcia para ser uma re-emergência da delta. Mas na verdade era a nova ômicron", afirma. Com a nova cepa, os casos de contaminação na África do Sul se multiplicaram. Foram do patamar de 500 para 5.000 na média móvel de sete dias.

Por outro lado, diz Fonseca, as internações ainda estão relativamente baixas, o que pode significar que a ômicron é altamente transmissível, mas não mais agressiva. A efetividade das vacinas também está em aberto. "Estamos fazendo testes, para ver se tem escape vacinal. Provavelmente será necessária uma adaptação das vacinas que usam RNA mensageiro [Pfizer e Moderna]".

Desde que a descoberta foi anunciada, Oliveira tem trabalhado em ritmo incessante, mantendo reuniões com autoridades sanitárias e cientistas de diversas instituições, para monitorar e prever os padrões de disseminação da ômicron, o que não o impede de ser bastante ativo em redes sociais, nas quais tem pedido que o mundo retire as restrições de viagem à África do Sul.

Usa como argumentos o fato de que só assim o país e o continente africano poderão receber vacinas e insumos necessários para a continuidade das pesquisas sobre a variante.

"Restrições em fronteiras impedem que nações alertem o mundo sobre futuras variantes. Também atrasam pesquisas urgentes, porque poucos aviões trazendo carga, inclusive produtos necessários para o sequenciamento, estão chegando à África do Sul", escreveu ele, na quinta-feira (2).

Fonseca diz que, apesar disso, aposta que seu chefe vai conseguir administrar a frustração sem que isso prejudique seu trabalho. "Nunca vi o Túlio nervoso, o Túlio bravo. Ele está sempre dando risada."


Com informações da Revista Exame e Folha de São Paulo

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