Após duas décadas de estudo, pesquisadores afirmam ter encontrado no RS mamífero mais antigo da Terra

Pesquisas realizadas durante quase duas décadas por paleontólogos brasileiros e britânicos conseguiram estabelecer que pequenos fósseis encontrados no Rio Grande do Sul, no início dos anos 2000, seriam de fato dos mamíferos mais antigos da Terra. Os estudos foram realizados com as dentições de pequenos cinodontes, que assemelham aos pequenos roedores atuais, encontrados em rochas fossilíferas do período Triássico/Noriano, datadas como tendo aproximadamente 225 milhões de anos. A conclusão dos achados foi publicada nesta terça-feira (6) no Journal of Anatomy.

Rochele Zandavalli / UFRGS / Divulgação


O artigo publicado no periódico inglês revela que os pequenos brasilodotídeos (Brasilodon quadrangularis) tinham apenas 20 cm de comprimento total e pesariam pouco mais de 15 gramas. Até hoje eram descritos na literatura científica como tendo uma natureza biológica reptiliana.

— Desde que foram encontrados os primeiros fósseis de cinodontes, na segunda metade do século 19, esses pequenos fósseis eram descritos como animais ectotérmicos e ovíparos, isto é: seriam animais de sangue frio e colocariam ovos para sua reprodução. Nossa pesquisa demonstrou, através de análises de microscopia das mandíbulas e dos dentes, que estes pequenos animais já apresentavam difiodontia, isto é, apenas uma dentição permanente substituindo a dentição de leite — explica o paleontólogo Sergio Furtado Cabreira, doutor em Geologia pelo Programa de Pós-Graduação em Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).  

De acordo com o pesquisadores, a difiodontia está diretamente associada, nos mamíferos atuais, a características fisiológicas como endotermia, placentação e lactação. Ou seja, brasilodontídeos eram pequenos animais peludos endotérmicos (sangue quente) e produziriam ninhadas de filhotes nascidos vivos, os quais seriam então amamentados pelas suas mães. 

— Estas são as características básicas que hoje encontramos entre o maior grupo dos mamíferos atuais: os placentários. Este era um mistério que se mantinha oculto por mais de 150 anos, desde a descoberta dos primeiros cinodontes nos anos de 1830 a 1850 — acrescenta Cabreira. 

Conforme o pesquisador, estes animais tinham hábitos noturnos, caçavam insetos e pequenos répteis e deveriam viver em pequenas tocas onde seus filhotes viviam até ficarem adultos. 

O início das pesquisas

Os primeiros trabalhos com as dentições desses fósseis, que estão na UFRGS, se iniciaram em março de 2004, quando os paleontólogos selecionaram algumas mandíbulas isoladas de apenas 2 cm de comprimento para a preparação e confecção de lâminas histológicas. O trabalho dos pesquisadores tomou vários anos em busca de ferramentas teóricas que possibilitassem chegar às conclusões descritas no artigo publicado. 

Com o uso de microscópios potentes, foram produzidas milhares de fotografias de histologia para estudar os dentes, como as características do esmalte e da dentina dos dentes de Brasilodon.  

As principais descobertas, de acordo com Cabreira, ocorreram porque o esmalte e outros tecidos dentários mineralizados dos animais carregam consigo informações sobre as características básicas das condições metabólicas em que são formadas. Assim, foi possível diagnosticar quais dentes teriam iniciado sua formação durante a fase de desenvolvimento placentário de embrião, e quais os dentes teriam se formado após o nascimento dos animais.  

Os pesquisadores conseguiram confirmar que, ao nascer, estes pequenos animais apresentavam uma dentição de leite, a qual era rapidamente substituída por uma dentição permanente – condição que ocorre entre todos os mamíferos placentários atuais, inclusive entre os seres humanos. 

Cabreira afirma que a histologia dentária é um método eficiente e seguro para a avaliação dos fósseis, e que este método descortina uma nova fase no estudo da evolução dos mamíferos.

— Agora, muitos profissionais da biologia poderão atuar neste segmento, uma vez que estas ferramentas práticas e teóricas estarão disponíveis para todos — afirma. 

A importância da descoberta

O estudo, ao mostrar que os mamíferos placentários são tão antigos quanto os primeiros dinossauros, traz importantes informações sobre a conservação e continuidade dos padrões genéticos, embriológicos e fisiológicos dos vertebrados ao longo do tempo. Conforme Cabreira, os resultados apontam que os mecanismos gênicos e certas estruturas biológicas reprodutivas, como a lactação e os cuidados maternos, mantiveram-se estáveis através de muitos milhões de anos de evolução.

— Mais surpreendente, a descoberta aponta que certas características de algumas Ordens de mamíferos como os Marsupiais e os Monotremados teriam surgido como elementos reprodutivos secundários, através da evolução de ancestrais placentários — acrescenta.

Outro elemento importante diz respeito à dentição difiodonte (que possui duas dentições ao longo da vida) dos mamíferos, inclusive humanos, que agora fica claramente associada ao desenvolvimento do palato. Neste caso, os autores demostraram que os dentes molares permanentes, cuja origem era pouco conhecida, agora passam a ser reconhecidos como originados na mesma lâmina embriológica que dá origem ao conjunto dos dentes de leite. Anteriormente, estes molares permanentes eram tidos como pertencentes à dentição permanente, e que dá origem aos dentes incisivos, caninos e pré-molares. 

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