Etanol de milho: “patinho feio” americano virou indústria das que mais crescem no Brasil

O etanol de milho, até uma década atrás, era visto quase como uma excentricidade americana. Praticamente só existia nos Estados Unidos e carregava a má fama de ser um produto sem competitividade, que se mantinha por ser altamente subsidiado. Em poucos anos, aconteceu o improvável: o combustível feito da mesma matéria-prima dos sucrilhos já responde por 15%, cerca de 4,5 bilhões de litros, do total de etanol produzido no Brasil. E em vez de ser antagonista da cana-de-açúcar, virou um aliado, garantindo o abastecimento de etanol na entressafra.


Inpasa/Divulgação

Não sem motivo, os americanos foram os primeiros a apostar alto no potencial do etanol de milho no Brasil. O quadro de excedentes de produção no Centro-Oeste chamou atenção dos investidores. Por vezes, o frete para levar o milho aos portos custava mais do que a própria carga. Assim, a primeira usina 100% de etanol de milho do país, a FS Bioenergia, foi levantada em 2017 no “corn belt” mato-grossense, em Lucas do Rio Verde, com recursos da brasileira Fiagril somados aos dólares da americana Summit Agricultural Group. Antes, em 2015, a Usimat, de Campos de Júlio (MT), tinha sido pioneira na tecnologia flex, operando com cana-de-açúcar e milho, em diferentes épocas do ano.

Desde então, o crescimento tem sido a passos largos. A própria FS Bioenergia está construindo uma terceira usina no país, em Primavera do Leste (MT), com investimento de R$ 2,3 bilhões. Operam no país 18 usinas de etanol de milho, outras 5 passam por ampliação e 10 aguardam autorização para construção.

Disponibilidade de milho acelerou industrialização

Dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) apontam que, em 2019, foram utilizadas 3,4 milhões de toneladas de milho para produção de etanol. Em 2020, foram 5,8 milhões de toneladas e, no ano passado, 7,6 milhões. “É um pulo muito grande. É difícil ver algum outro segmento com um acréscimo de demanda tão grande, em tão pouco tempo. Foi uma industrialização interna que aproveitou a oportunidade de todo esse produto que estava à disposição”, observa Lucilio Alves, pesquisador do Cepea-Esalq/USP.

A solução consagrada para produção de etanol no Brasil, a partir da cana-de-açúcar, sempre teve a seu favor um maior rendimento por hectare: 75 toneladas de cana, contra uma média de 4,4 toneladas por hectare do milho. Uma parte dessa diferença era tirada pelo milho devido ao alto teor de açúcar, que faz render 430 litros de etanol por tonelada, contra 90 litros retirados de uma tonelada de cana. Mesmo assim, o etanol de milho ainda custa um pouco mais caro. No entanto, quando se coloca na equação o milho de segunda safra – que rende 90 sacas num hectare que já produziu 70 sacas de soja no mesmo ano – a balança pende para o lado do cereal.

O que também ajudou o combustível de milho a decolar no Brasil, além da já citada sazonalidade complementar à safra da cana-de-açúcar, e a abundante oferta de matéria-prima, foram os coprodutos da extração do etanol. Uma tonelada de milho, após virar etanol, produz ainda em torno de 300 a 320 quilos de resíduos secos que viram ração (DDGs, ou resíduo seco de destilaria com solúveis) e 12 a 15 litros de óleo de alto valor agregado.

Etanol de milho criou equilíbrio de mercado no Centro-Oeste

O Mato Grosso, que concentra as usinas de etanol de milho, é também o maior produtor do cereal no país, e colheu neste ano 39 milhões de toneladas. Deste montante, apenas 18% se transformam em etanol. Glauber Silveira, diretor da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho), vê espaço para esta participação subir, em breve, para 30%. “O etanol contribuiu demais com o Mato Grosso, porque criou todo um equilíbrio de mercado. Hoje você tem a indústria de etanol comprando antecipadamente. E está agregando valor àquele milho que era exportado, e agora vira etanol, vira DDGS. Isso sem dúvida é muito bom para o estado, os municípios e para o produtor”, destaca Silveira.

O avanço do combustível de milho no país deve-se muito à complementaridade que oferece para usinas de cana, que passam a operar no modelo flex. Essas usinas do Centro-Oeste, tradicionalmente, ficavam boa parte do ano com o parque industrial ocioso, de novembro a março, na entressafra da cana-de-açúcar. Com o milho integrado, a usina passa a oferecer etanol o ano inteiro.

Qual é a matriz de etanol mais barata ou competitiva? De cana ou de milho? “Não tem isso do que é mais barato. São modelos de produção diferentes. O etanol de cana tem a vantagem de gerar biomassa para fazer vapor e energia. O etanol de milho precisa investir em áreas de florestamento, para gerar a energia consumida no processo. Para alguns pode ser um gargalo, mas na verdade é oportunidade de um outro cluster de negócio se desenvolver, que é a área de madeira florestada, para servir às usinas de etanol de milho”, observa Guilherme Nolasco, presidente da União Nacional do Etanol de Milho (Unem).

Leia a reportagem original e completa na Gazeta do Povo

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