Artista ressignifica pinturas surreais de mulheres inspirada por onda de protestos no Irã

Para a artista iraniana Arghavan Khosravi, retratar cabelos em suas pinturas tornou-se algo carregado de emoção. Ela postou um vídeo no Instagram no início de outubro onde ela pincelava pela tela para criar fios finos de cabelo.

“Hoje em dia, quando estou pintando cabelos, fico cheia de raiva e esperança. Mais do que nunca”, escreveu ela na legenda.

Ela adicionou a hashtag #MahsaAmini ao post, o nome da jovem de 22 anos que morreu na capital do Irã, o Teerã, em setembro, depois de ser presa pela polícia da moralidade do país por supostamente não usar seu hijab corretamente.

Arghavan Khosravi / Divulgação

A morte de Amini, desde então, catalisou protestos em todo o país – muitos dos quais viram jovens mulheres e meninas cortando o cabelo como uma forma de desafio – e seu nome se tornou um grito de guerra nas mídias sociais.

Khosravi cresceu em uma família secular de Teerã após a Revolução iraniana de 1979, quando um novo regime teocrático instaurou regras opressivas para as mulheres, incluindo a obrigatoriedade do hijab, ou lenço na cabeça, em público.

“Desde muito cedo percebi que há esse contraste entre seus espaços privados – sua casa – e os espaços públicos. Em casa, você é livre para fazer o que quiser”, disse Khosravi, que está em Stamford, Connecticut. “Você aprende a navegar nesta vida dupla”.

Simbolismo rico

As mulheres nas pinturas de Khosravi são frequentemente retratadas como amarradas por cordas ou escondidas atrás de paredes, flores ou mãos, no que ela descreve como uma luta pela autonomia. No entanto, elas possuem uma presença dominante.

Ela contrasta cordas e algemas com expressões de liberdade, como pombas. Com cores exuberantes e áreas rediantes nas quais as partes do corpo de seus modelos parecem brilhar, as obras de Khosravi não são sombrias, mas luminosas.

“Contraste e contradição estão nos principais conceitos que estou explorando em meu trabalho”, disse ela, apontando para as dicotomias da vida de muitas mulheres iranianas. Fios vermelhos ou pretos são recorrentes em suas pinturas – eles aparecem em volta dos dedos ou pulsos de suas figuras, costurados sobre suas bocas fechadas ou saindo de seus olhos – às vezes como linhas pintadas, em outras como cordas físicas penduradas na tela.

“Eu estava pensando em minhas memórias do Irã”, disse ela. “Há muitas linhas vermelhas que nos são impostas pelo governo”.

Desde que os protestos eclodiram em setembro, Khosravi viu o cabelo se tornar um símbolo poderoso enquanto as mulheres cortavam os seus, em protesto ou em solidariedade, e queimavam seus hijabs nas ruas.

“Mulheres, cortar o cabelo é uma antiga tradição persa […] quando a fúria é mais forte que o poder do opressor”, tuitou a escritora e tradutora que mora no País de Gales, Shara Atashi, no final de setembro. “Chegou o momento que tanto esperávamos. A política alimentada pela poesia”.

Reflexões do mundo real

Em “Cover your hair!” (“Cubra seu cabelo”, na tradução livre), uma pintura que Khosravi compartilhou recentemente nas redes sociais, mostra uma mulher pendurada em seu torso por um longo pedaço de tecido vermelho, com seu cabelo longo e escuro enrolado firmemente no material. Soldados persas estilizados em cavalos enrolam fios ao redor do corpo dela em uma imagem pungente de supressão.

“Tenho cenas de campos de batalha onde soldados atacam mulheres. E agora, nas ruas, vemos vídeos dessas forças de segurança (e um) nível de crueldade enquanto atacam manifestantes”, disse ela. “Eu tenho algumas metáforas visuais […] mas agora elas estão literalmente acontecendo”.

Mas Khosravi espera que seus temas representem não apenas a experiência das mulheres iranianas, mas de qualquer mulher cujos direitos estejam ameaçados.

Os trabalhos anteriores de Arghavan Khosravi destacaram mulheres com cabelos longos e esvoaçantes – trabalhos que ela revisitou no Instagram após a morte de Mahsa Amini / Arghavan Khosravi / Stems Gallery

“Algo em comum entre todas [as mulheres nas pinturas] é que elas têm mais ou menos a mesma idade que eu, ou a cor do cabelo ou as feições são, até certo ponto, parecidas com as minhas […] é porque estou pensando na minha própria história e outras mulheres que passaram pelo mesmo”, disse ela.

“Mas, ao mesmo tempo, não quero que essas personagens sejam muito específicas culturalmente. Assim, qualquer pessoa em qualquer canto do mundo pode se relacionar com seus trabalhos com base em suas próprias experiências”.

Agora ela está esboçando ideias para novas pinturas, respondendo ao que ela espera que seja uma mudança de marés em seu país natal.

“Em algum momento, perdi a esperança de que talvez as coisas mudassem, mas agora há essa energia jovem, é muito fascinante e espero que leve a uma mudança fundamental”, disse ela.

Embora todos os temas em seus retratos tenham algum grau de agência, ela está trabalhando em um novo conjunto de símbolos que evocarão a força das mulheres assumindo um governo inteiro para reivindicar autonomia sobre seus corpos.

“À luz de tudo o que está acontecendo”, disse Khosravi, “quero dar mais poder aos personagens”.

Leia a notícia original na CNN Brasil

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