SAIBA MAIS: É possível a TARIFA ZERO nos ônibus? Cidades gaúchas já implantaram

Ao menos duas cidades do Rio Grande do Sul implementam a tarifa zero no transporte público coletivo, segundo levantamento de novembro feito pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU). Parobé, com 60 mil habitantes, e Pedro Osório, 7,6 mil moradores, são pioneiras nesse tipo de programa, que começa a ser discutido em cerca de 50 cidades do país.

Ônibus com modelo de tarifa zero em Parobé - Reprodução/RBS TV

No município da Região Metropolitana de Porto Alegre, a iniciativa foi lançada neste ano. Em Parobé, os ônibus pertenciam a empresas privadas, que organizavam por conta própria a gestão das linhas. Visando regulamentar o sistema, o município implantou o novo modelo.

A prefeitura desembolsa cerca de R$ 100 mil mensais para que uma empresa terceirizada ceda veículos, pessoal, combustível e manutenção. Essa empresa recebe R$ 11 por quilômetro rodado, enquanto a população não paga nada pelo serviço.

"Não é uma concessão engessada, onde o poder das linhas fica na nossa mão. [Acaba] trazendo mais economia para os cofres públicos", diz o prefeito Diego Picucha.

Nas ruas, a medida é elogiada pelos usuários. Antes da tarifa zero, a passagem custava R$ 4,50.

"Tá ótimo. Eu tô gostando da tarifa zero. Espero que continue", afirma uma moradora.

São duas linhas no município: uma circula na zona urbana de hora em hora; a outra, na zona rural, três vezes ao dia. O número de passageiros diários, que era de 200 pessoas antes do novo modelo, pulou para 700.

'Círculo vicioso'

Diversos municípios debatem quais as melhores formas para tornar o transporte público viável para a população e sustentável para o município. O coordenador de Mobilidade Urbana do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Rafael Calabria, critica a dependência do modelo ao pagamento de tarifas por usuários, como ocorre na maioria das cidades.

"As empresas acabam buscando atender melhor as regiões que têm mais passageiros, as avenidas centrais das cidades, os corredores. Aí os bairros que são mais amplos e, por isso, são mais difusos acabam sendo precarizados. Eles tiram, cortam linhas, reduzem horários, não têm pontualidade e confiabilidade. Então, é caro e ruim", afirma.

Essa política, segundo o pesquisador, cria um "círculo vicioso". Cada vez mais, a tarifa sobe, o número de usuários diminui e, para conter o prejuízo, o preço da passagem aumenta de novo.

Na leitura de Marcos Bicalho dos Santos, diretor de Gestão da NTU, o problema do financiamento do transporte público no país se agravou a partir de 2013. Após as manifestações contra o aumento das passagens, muitos municípios deixaram de cumprir os contratos com as empresas a fim de baratear a passagem.

"A partir daquelas manifestações sociais, nós perdemos uma prática comum do setor de reequilibrar o sistema com base nos custos reais. A gente perdeu essa continuidade, várias prefeituras deixaram de praticar uma obrigação contratual com a regularidade que era esperada", afirma.

Os problemas ficaram mais evidentes a partir de 2020, com a redução de passageiros em razão da pandemia. Na avaliação de Bicalho, as empresas "entraram em 2020 em desequilíbrio e perda de demanda violenta" e "não conseguiram sobreviver".

Alternativas

Rafael Calabria cita sugestões para financiar o sistema de transporte público nos municípios. "Tem um debate da mudança do vale-transporte nacional, para que, ao invés das empresas pagarem para os trabalhadores, elas componham um fundo que ajude a baratear o sistema. Algumas cidades também começaram a taxar os aplicativos de transporte individual, embora o dinheiro não esteja indo para o transporte, é uma possibilidade. A gente defende que existam várias fontes: pode usar também propaganda nos ônibus, que nem é uma taxa, não geraria ônus a ninguém", comenta.

Para o especialista do Idec, "a importância de ter várias fontes, algumas mais, outras menos polêmicas, é de não sobretaxar nenhum setor".

A diversificação de fontes de recursos também é mencionada pelo representante da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos. Marcos Bicalho dos Santos sustenta que, independente da forma de financiamento, a definição clara em contrato dá segurança jurídica aos operadores.

"A gente celebra transparência e segurança jurídica, tendo a certeza de que vamos receber pelos serviços prestados. A partir daí, a gente elimina uma série de problemas do setor, inclusive a [má] qualidade do serviço", aponta Bicalho.

O diretor da NTU afirma que os novos modelos de financiamento devem separar a remuneração das empresas fixada em contrato, baseada tecnicamente em custos e índices de desempenho, do que é cobrado do usuário.

"Se houver segurança jurídica para a gente estar dentro desse processo e receber pelo serviço prestado, é a melhor situação. É o caminho para a gente avançar", diz.

Como resultado, ele afirma que mais usuários se dispõem a andar de ônibus – tanto aqueles que possuem carro ou moto quanto os que, sem condições financeiras, evitam o transporte público.

"Se você prestar o serviço de melhor qualidade, você pode provocar mudanças de hábitos para a população e isso traz benefícios para a qualidade de vida de toda a população. Diminui congestionamento, poluição, acidente", considera o diretor da NTU.

Diferenças entre cidades

Pedro Osório, no Sul do estado, oferece há quatro anos o transporte coletivo de graça. A prefeitura gasta cerca de R$ 10 mil mensais com o serviço. A frota de um veículo transporta 200 passageiros por dia. O dinheiro tem como origem impostos municipais e repasses do estado e da União.

Por outro lado, tanto o pequeno município quanto Parobé não têm problemas complexos como cidades maiores.

"O porte do município interfere diretamente na complexidade dos problemas. Se o porte é maior, os problemas são maiores", diz Marcos Bicalho dos Santos.

Gestores empresariais e públicos comentam que, muitos dos municípios que adotam a tarifa zero ou passagens reduzidas têm recursos próprios advindos de grandes empreendimentos (montadoras, indústrias, royalties de petróleo, entre outros). Com a arrecadação maior, existe uma "folga" no orçamento para subsidiar o transporte público.

O presidente da Federação das Associações de Municípios do RS (Famurs), Paulo Salerno, pondera sobre as possibilidades de cada tipo de cidade.

"Alguns municípios hoje no Brasil têm implementado porque têm uma condição financeira orçamentária que condiz com essa realidade. Outros municípios não têm essa condição. A gente tem acompanhado essa discussão que tem tomado agora também uma proporção nacional em função de que na própria transição do governo federal tem se falado nesse assunto", comenta.

Dificuldades em Porto Alegre

Segundo Salerno, a maioria dos municípios do RS não tem condições de bancar a tarifa zero. Algumas, inclusive, já tentam buscar recursos para subsidiar em parte as passagens e não encontram, explica o presidente da Famurs.

Em 2020, na gestão de Nelson Marchezan Júnior (PSDB), Porto Alegre apresentou um pacote de mudanças visando mudar a forma de financiamento do transporte público na Capital. Entre as propostas, estavam as cobranças de tarifas para aplicativos e de uma taxa de circulação para veículos de fora da cidade.

Outra proposta era a criação de uma taxa de mobilidade urbana, na qual empresas não comprariam mais vale-transporte, mas, sim, pagariam uma taxa por cada empregado. Se o pacote de leis fosse aprovado, trabalhadores com carteira assinada teriam passe livre, os passageiros em geral pagariam R$ 2 e os estudantes, R$ 1 a passagem.

A maioria das proposições não passou pela Câmara Municipal. Outras, como a extinção gradual de cobradores e a redução de isenções, foram aprovadas já na gestão de Sebastião Melo (MDB). A prefeitura também direcionou subsídios ao transporte público, que hoje cobra uma tarifa de R$ 4,80.

Outra proposta apresentada por Melo é a privatização da Carris, empresa pública de ônibus da Capital. No entanto, na avaliação de Rafael Calabria, a medida só muda a forma de gestão da empresa, sem resolver o problema do financiamento no município.

Como vice-presidente de mobilidade urbana da Frente Nacional de Prefeitos, Sebastião Melo defende maior participação do governo federal no suporte ao transporte coletivo no país.


Leia a reportagem original no G1

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