Conheça os quatro estados brasileiros que têm vagas de emprego sobrando e disputam trabalhadores

Num País com 8,6 milhões de desempregados - um contingente equivalente a toda população da Suíça -, quatro Estados enfrentam uma realidade diferente, com uma disputa intensa pela mão de obra. Em 2022, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia e Santa Catarina encerraram o ano com uma taxa de desocupação abaixo de 4%, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua Trimestral, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). Enquanto isso, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Amapá continuam com taxas acima de 10%.

Suzano/Divulgação


Os números positivos do mercado de trabalho de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia podem ser explicados pelo bom desempenho do agronegócio nos últimos anos, o que ajudou a estimular toda a economia local.

“De um modo geral, são Estados com um conjunto de atividades relacionadas ao agronegócio”, afirma Ezequiel Resende, coordenador da unidade de economia, estudos e pesquisa da Federação das Indústrias de Mato Grosso do Sul (Fiems).

A força do agronegócio não beneficiou apenas o setor nesses Estados, mas toda a cadeia ligada a ele - como produção de máquinas. Em 2023, por exemplo, a expectativa é a de que o País colha uma safra recorde de grãos, alcançando 298 milhões de toneladas, um crescimento de 13,3% em relação a 2022 (34,9 milhões de toneladas).

Em Rondônia, porém, apesar do agro movimentar o mercado de trabalho, a baixa taxa de desemprego também está associada à reduzida participação da força de trabalho. Enquanto no Brasil, no ano passado, 62,4% da população em idade de trabalhar estava empregada ou buscava emprego, em Rondônia, esse número era de 60,5%. Essa diferença sugere que, no Estado, há uma busca menor por ocupação, segundo o economista Lucas Assis, da consultoria Tendências.

Já em Santa Catarina, a baixa taxa de desemprego tem uma explicação que vai além do agronegócio. A diversificação da economia torna improvável uma explosão no desemprego mesmo quando o País enfrenta crises severas. Nessas ocasiões, quando um segmento da economia catarinense passa por dificuldades graves, costuma haver outro indo bem para compensar.

Na cidade de Itajaí, no litoral do Estado, a empresária Mirela Raupp diz que tem saudades do tempo em que era “assediada” por trabalhadores em busca de uma vaga de emprego em seu café. “Não precisávamos ir atrás das pessoas para contratar. Eles vinham até a gente.” Hoje a situação é oposta: “Temos de correr atrás, colocar anúncio, procurar no balcão de empregos (da prefeitura) e nas redes sociais. E isso não significa ter sucesso para encontrar um profissional.”

Atualmente, ela tem duas vagas abertas no estabelecimento, mas não consegue preencher. “Algumas pessoas respondem aos anúncios, mas quando sabem que precisa trabalhar aos domingos, desistem. Quando começam a trabalhar, ficam um mês e vão embora.”

Na cidade, os pequenos negócios sofrem ainda mais com o problema de falta de mão de obra, pois competem com grandes companhias que oferecem um pacote mais atrativo de benefícios. Hoje Itajaí tem o segundo maior PIB de Santa Catarina, a frente da capital Florianópolis.

Com mais de 220 mil habitantes, a cidade tem uma economia baseada nas atividades portuárias. Além do porto público de Itajaí, o Porto de Navegantes, localizado do outro lado do rio na vizinha Navegantes, movimenta a economia local. De acordo com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, o maior gerador de empregos no município é o setor de serviços, que engloba a cadeia logística, seguido por indústria e comércio.

Hoje, segundo a prefeitura, o Balcão de Empregos tem 1,5 mil vagas oferecidas por empresas de várias áreas. Mas preenchê-las nem sempre é uma tarefa fácil. Se por um um lado os empresários sofrem para encontrar candidatos, do outro, os profissionais escolhem onde querem trabalhar, como é o caso de João Paulo Lima. Hoje ele trabalha em uma loja em Itajaí, mas já recebeu proposta de três outros estabelecimento sem nem ter enviado um currículo.

“Recebo mensagens de WhatsApp e e-mail de locais para os quais nunca enviei um currículo. Já tive reuniões frutos de indicação nas área de logística e construção civil”, diz ele, um paulista formado em engenharia civil. “Aqui tem muita oportunidade de emprego e as pessoas podem escolher onde, quais condições querem e do que estão dispostas a abrir mão para trabalhar”, diz ele, que mora na cidade há quase dois anos.

Santa Catarina enfrentou gargalo no verão

O verão deste ano deixou evidente o gargalo de mão de obra no setor de bares e restaurantes de Santa Catarina. Um levantamento feito pela unidade do Estado da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) mostrou que quase 64% dos estabelecimentos tiveram dificuldade para encontrar trabalhadores qualificados.

Foi o principal problema apontado pelos empresários do setor. Em segundo lugar, apareceu o custo com insumos (54%). “É um gargalo bem grande. Há vagas de trabalho em vários setores e acaba diminuindo (a oferta de mão de obra) para o nosso”, afirma Juliana Mota, presidente da Abrasel de Santa Catarina.

O Estado é o que aparece com mais frequência no topo do ranking daqueles com menor taxa de desemprego do País desde o início da série histórica da Pnad Contínua, em 2012. No ano passado, a taxa ficou em 3,2%.

Para o empresário catarinense Marcos Sérgio Bechtold, além da falta de qualificação, a questão do modelo de trabalho tem dificultado na contratação no Estado. Ele tem uma agência de publicidade e uma produtora de conteúdos. “Desde a pandemia, as pessoas só querem trabalhar em home office, mas a gente já testou o modelo e não deu muito certo.” Segundo ele, boa parte dos candidatos querem ter flexibilidade para trabalhar e não quer cumprir horários estabelecidos.

“Quem tem qualificação prefere abrir um negócio e trabalhar por conta própria. Aqueles que não têm experiência aceitam, mas já querem começar como gerente”, diz ele, que reclama da dificuldade para lidar com a nova geração. Com uma oferta grande de emprego na cidade, a rotatividade é grande, diz o empresário. “Eles ficam seis meses a um ano no trabalho. Em alguns setores, a duração num cargo não passa de 70 dias. Se tiverem uma oferta com aumento de R$ 100 ou R$ 200, eles saem.”

Um dos motivos para o bom desempenho do mercado de trabalho catarinense é a economia diversificada do Estado, com agronegócios e indústria alimentícia no oeste, indústria metalomecânica e têxtil no norte, turismo e tecnologia no litoral e indústrias cerâmica e de móveis no sul.

“Essa diversificação produtiva permite ao Estado não ser abatido de maneira tão forte por crises setoriais. Quando tem um problema no agro, tem outro setor respondendo melhor”, diz o economista-chefe da Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc), Pablo Bittencourt.

O economista acrescenta que, durante a pandemia, as indústrias de móveis e têxteis (sobretudo cama, mesa e banho) alavancaram o nível de emprego no Estado. Dado que a economia catarinense tem um alto nível de encadeamento produtivo, esses segmentos aquecidos acabaram elevando a produção no próprio Estado de insumos e equipamentos que eles demandavam.

No ano passado, com o brasileiro consumindo mais serviços, foi a vez do turismo voltar a contratar. Para 2023, porém, Bittencourt espera que o setor industrial arrefeça devido ao juro elevado

Em Mato Grosso, produtor vai atrás de temporários

Em Sinop (480 quilômetros ao norte de Cuiabá), o produtor rural Moises Debastiani contrata funcionários temporários do Paraná, de Rondônia e de Goiás. Do total de trabalhadores que precisa para realizar as colheitas e os plantios, 40% vêm de fora.

Debastiani conta também que, na região de Sinop, quando alguém pretende construir em casa, precisa fechar com os trabalhadores cerca de seis meses antes do início das obras. “Tem de acordar com a pessoa para que, quando ela acabar a obra que está fazendo, vá para a sua”, diz ele.

Presidente da Associação dos Criadores do Norte de Mato Grosso (Acrinorte), Debastiani diz ainda ter conhecidos que compraram caminhões de grande porte e levaram 60 dias para conseguir contratar motoristas. “Em qualquer setor aqui em Sinop, falta gente para trabalhar com qualificação”, diz.

De acordo com o gerente de economia da Federação das Indústrias no Estado de Mato Grosso (FIEMT), Pedro Máximo, a agroindústria é a que vem aquecendo o mercado de trabalho local, que registrou taxa de desocupação de 3,5% em 2022. Produção de carne resfriada, farelo de soja, etanol a partir do milho e da cana estão entre as atividades que mais vêm empregando.

O economista afirma que muitas das atividades que estão crescendo no Estado são intensivas em mão de obra, o que eleva ainda mais a contratação de pessoal. “Os frigoríficos, por exemplo, empregam muita gente.”

Com a falta de pessoal, os salários no Estado estão sob pressão. No ano passado, a massa salarial em Mato Grosso cresceu 16,1%, enquanto o aumento médio no Brasil ficou em 6,9%.

Máximo acrescenta que, apesar da desaceleração da economia brasileira, projeta que a taxa de desemprego em Mato Grosso continuará em patamares baixos esse ano. Isso porque a economia do Estado está ligada à demanda mundial de alimentos, ao crescimento da China e à pressão global pelo uso de combustíveis limpos, como o etanol de segunda geração.

Com o Estado recebendo investimentos em ferrovias, rodovias e energia, a expectativa é que, pelo menos até 2030, a economia local continue acelerando, diz o economista.

Fábrica da Suzano abre milhares de vagas em Mato Grosso do Sul

Em Ribas do Rio Pardo, uma cidade com cerca de 25 mil habitantes, a Suzano (foto neste post) tem de recorrer a mão de obra de fora da região para dar conta de levar o seu investimento adiante e garantir o funcionamento da sua futura planta, cuja operação deve começar no segundo semestre do ano que vem.

A demanda da empresa por profissionais se dá em diversas fases: na de obras e montagem, por exemplo. E será necessária no momento em que a planta da companhia passar a operar plenamente. No pico, 10 mil empregos diretos devem ser criados.

“Na fase de montagem, não espero que Ribas do Rio Pardo possa dispor de profissionais especializados num local em que nunca houve uma indústria do nosso porte”, afirma Mauricio Miranda, diretor de Engenharia da Suzano e responsável pelas obras de implantação da nova fábrica. O investimento total da nova unidade é de R$ 19,3 bilhões.

Num Estado em que a disputa por mão de obra é grande - a taxa de desocupação em 2022 foi de apenas 3,3% -, a Suzano começou a treinar profissionais locais para trabalhar na nova planta. Já foram capacitadas 198 pessoas e, desse contingente, 133 estão praticando na unidade de Três Lagoas.

“Se você não qualificar a mão de obra, você não tem de maneira geral”, afirma Miranda. “Tem uma grande base de formação que precisa acontecer.”

Além da produção de celulose, Mato Grosso do Sul tem aproveitado o bom momento do agronegócio.

“São (destaques os) segmentos vinculados à produção de soja, milho, celulose e até de minério de ferro. E esse conjunto de atividades vem apresentando um bom desempenho há algum tempo”, afirma Ezequiel Resende, coordenador da unidade de economia, estudos e pesquisa da Federação das Indústrias de Mato Grosso do Sul (Fiems).

No ano passado, a safra de grãos do Estado foi de 22 milhões de toneladas. Em 2023, de acordo com o IBGE, deve crescer 11,6% e chegar a 24,6 milhões de toneladas.

“Nos últimos anos, há uma carteira de investimentos bilionários no Estado na expansão de várias atividades, como celulose, frigoríficos, processamento de milho, fábricas de etanol”, diz Resende.

Agro também ajuda Rondônia

Nos últimos anos, Rondônia tem se beneficiado do desempenho do agronegócio, ajudado pelo uso intensivo de tecnologia no setor. A taxa de desocupação no Estado recuou de 3,9% para 3,1% entre 2021 e 2022.

“O entorno de Porto Velho, que, anos atrás, tinha terras sub-precificadas, hoje, está em franca expansão com a produção de grãos. E não é só a soja. Estou falando de arroz e milho”, afirma Marcelo Thomé, presidente da Federação das Indústrias do Estado de Rondônia (Fiero). “E isso tem puxado muito a economia de Rondônia para cima, porque, obviamente, você tem o benefício para todos os demais serviços com a expansão do agronegócio”, acrescenta.

Neste ano, a última estimativa do IBGE aponta para uma safra de cereais, leguminosas e oleaginosas de 3,6 milhões de toneladas, o que vai representar um crescimento de 8,8% na comparação com 2022.

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