PESQUISA: Tratamentos anti-inflamatórios podem retardar a progressão da doença de Alzheimer

As causas para o surgimento e a progressão da doença de Alzheimer, que representa aproximadamente 70% do total de casos de demência no mundo, ainda são pouco compreendidas pela medicina. São conhecidos alguns fatores de risco: hábitos como o tabagismo, doenças como a diabetes e fatores genéticos são alguns exemplos. Também se sabe de medidas que ajudam na prevenção, como a atividade física e o exercício mental. Os tratamentos atuais para pacientes de Alzheimer são sintomáticos, ou seja, não param ou sequer retardam a progressão da doença. 

João Pedro Ferrari Souza/Arquivo Pessoal

A pesquisa “APOE4 se associa à ativação microglial independentemente das patologias Aβ e tau”, realizada por João Pedro Ferrari Souza, estudante de doutorado no Programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas: Bioquímica da UFRGS (PPGBIOQ), aborda o principal fator de risco genético para a doença de Alzheimer: a variante e4 do gene APOE, que codifica a apolipoproteína E. Os resultados registram a primeira evidência clínica de que esse gene afeta a progressão da doença neurodegenerativa por meio da inflamação cerebral. 

“Especificamente, nossos achados sugerem que tratamentos que visem à redução da inflamação cerebral têm o potencial de ajudar a conter a progressão da doença de Alzheimer, especialmente em indivíduos que carregam o gene APOE4”, explica João. O estudo originou um artigo, publicado pela revista Science Advances no começo de abril. “A publicação nessa revista é uma garantia de que o estudo será lido por importantes pesquisadores e que servirá de base para futuras pesquisas relacionadas a essa doença”, destaca o estudante.

Células gliais e o gene APOE

No PPGBIOQ, João Pedro é orientado pelo professor Eduardo Zimmer, do Departamento de Farmacologia da UFRGS. “O professor Eduardo trabalha bastante com um tipo específico de célula, as células gliais. E o meu projeto de pesquisa sempre foi voltado a entender um pouco mais como é que elas influenciam a doença de Alzheimer”, conta.

São principalmente as células gliais que produzem a apolipoproteína E no cérebro humano. Essa proteína é expressa pelo gene APOE, que possui três variantes: APOE3, a mais comum, presente na maior parte da população; APOE2, variante que apresenta fator protetivo contra a doença de Alzheimer; e, por fim, a APOE4, variante do gene que é considerada o maior fator de risco genético para a doença neurodegenerativa. 

“Mesmo que a gente saiba isso, não entendemos muito os mecanismos pelos quais ela aumenta os riscos da doença de Alzheimer. Entender isso é muito importante por dois pontos: primeiro, para compreender a progressão natural da doença e, segundo, para desenvolver tratamentos”, aponta João.

Neuroinflamação e a relação com a doença de Alzheimer

A doença de Alzheimer surge quando principalmente dois tipos de proteínas – amiloide e tau – se acumulam no cérebro e começam a agredi-lo, causando a morte neuronal e uma série de prejuízos, como a atrofia. Essas agressões ativam um tipo de célula glial, a microglia. A partir disso, esta célula de defesa do nosso cérebro desencadeia a neuroinflamação, que contribui diretamente para a progressão e aceleração da doença. 

Embora já houvesse estudos prévios com animais, a pesquisa de João traz a primeira evidência em humanos de que a variante APOE4 afeta a progressão e facilita a neuroinflamação na doença de Alzheimer.

“Ainda existe muita coisa a ser estudada e validada, mas (o resultado das pesquisas) sugere que tratamentos anti-inflamatórios têm o potencial de reduzir a progressão da doença, especialmente em indivíduos que tenham essa variante e4. Aparentemente isso tem que ser feito em momentos bem iniciais da doença, quando o processo patológico começa a acontecer no cérebro”

Próximos passos 

João Pedro realizou sua pesquisa em um período de estudos na Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos. Neste doutorado sanduíche, João focou-se numa parte mais clínica do trabalho de seu orientador para entender como as células gliais afetam a doença de Alzheimer em humanos. 

A parceria entre a Universidade de Pittsburgh e a Universidade McGill, do Canadá, foi fundamental na realização prática da pesquisa. “A McGill tem uma grande coorte de pacientes em que eles acompanham ao longo do tempo vários biomarcadores da doença de Alzheimer”, pontua o estudante.

Para João, os próximos passos envolvem pesquisas que busquem a redução da inflamação do cérebro e o entendimento das consequências disso para o paciente de Alzheimer. Além disso, o pesquisador explica que seguem os estudos com o APOE. “A gente diz que ele tem uma contribuição multifacetada. A linha de pesquisa é tentar entender um pouco mais as diversas contribuições desse gene para a doença”, completa.

Fonte: UFRGS



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