Livrarias de Porto Alegre investem em programação cultural para movimentar clientela

Livraria não serve só para comprar livros. Três das mais badaladas em Porto Alegre têm se reformulado para oferecer outras experiências culturais além da aquisição de uma nova leitura, o que não é pouca coisa, é verdade. Apaixonados por literatura sabem que voltar para casa com um tomo de páginas fresquinhas está entre as coisas mais gratificantes de se estar vivo. 

Bamboletras, localizada dentro de uma antiga igreja - Reprodução

Também dá para participar de saraus, cursos, feiras e até ouvir música nesses espaços. Sem contar as conversas com escritores, um momento raro que coloca o autor diante de leitores com diferentes visões sobre sua obra. 

Com um piano de cauda posicionado no altar, a Bamboletras está ficando com ares de templo cultural. Sediada desde 2022 em uma igreja na Avenida Venâncio Aires, na Cidade Baixa, a tradicional livraria recém instalou o instrumento para começar a oferecer apresentações musicais. A previsão é de que se iniciem em agosto. Para assistir, bastará comprar um livro. 

Fabricado em 1928 pela marca alemã Grötrian-Steinweg, o piano pertence a Francisco Marshall, historiador e proprietário do StudioClio, espaço cultural que funcionou de 2005 a 2022 em um casarão na esquina da José do Patrocínio com a Lopo Gonçalves, mas que tornou-se itinerante desde que o imóvel foi vendido. 

O instrumento já realizou mais de 300 recitais. Nele, apresentaram-se músicos como o compositor Egberto Gismonti, que fez o show de inauguração do StudioClio, e artistas de países como Polônia, Chile e Argentina. Estava guardado até Chico ter a ideia de emprestá-lo a Milton Ribeiro, dono da Bamboletras, para ajudar a movimentar a livraria, que sofreu um baque quando teve de se mudar de sua casa por 26 anos, a Nova Olaria. 

— Milton me falou de certa dificuldade em vender livros. Pensei em levar o piano para movimentar a livraria. A música atrai muito. Onde tem um piano, o ambiente muda — diz Chico.

Músicos curiosos com o som que o piano poderia produzir na livraria onde antigamente funcionou uma igreja protestante garantiram que a acústica do lugar é boa. 

— Quando o piano foi montado aqui, o Chico mandou um WhatsApp para o Luciano Leães, que é músico, pianista, e mora do outro lado da rua, há menos de um minuto da livraria. O Leães apareceu aqui e deu um pequeno show. O piano nem estava afinado, mas ele adorou. Então vimos que a acústica dessa igreja é ótima — conta Ribeiro. 

Segundo Chico, o próprio Leães, considerado um dos principais pianistas de jazz e blues do país, vencedor do Açorianos de Música por duas vezes, tem sua trajetória musical ligada ao piano, tendo gravado discos com o instrumento. 

As apresentações na Bamboletras devem ser semanais e têm previsão de início até o fim de agosto. Serão recitais de música erudita, além de shows de blues e jazz. Quem fará a curadoria dos artistas será Chico, que já elaborou um programa de blues batizado de Books and Blues. Além do pianista, o altar tem capacidade para receber, no máximo, mais dois ou três instrumentistas. O ingresso será a compra de um livro e uma contribuição espontânea destinada aos músicos. 

— Se quiser assistir ao show, compra um livro. Porque o nosso negócio é livraria, não podemos desfocar disso — diz Ribeiro. 

Também existe a intenção de oferecer sessões de piano livre, voltadas para quem sabe tocar o instrumento, evitando que fique em mãos amadoras. Apresentações de escolas de música serão bem-vindas. 

Além de ajudar a Bamboletras a recobrar o fôlego, o piano do StudioClio vai apostar em uma relação que sempre fez sucesso, que é da música com a literatura. 

— Muitas músicas foram criadas a partir da literatura, de poemas. O Schumann (compositor alemão de música clássica) era muito culto, erudito, e tinha um jornal literário. Ou seja, ao mesmo tempo em que fazia música, fazia literatura. Isso mostra que é forte a relação da literatura e da música — diz Chico. 

A livraria de Quintana

Hospedada na Casa de Cultura Mario Quintana, a Livraria Taverna tem dois eventos que giram em torno da imagem do poeta. O primeiro ocorre em 30 de julho, data de nascimento de Quintana, às 16h. Professores do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Antônio Sanseverino e Maria Glória Bordini vão debater o lirismo em sua poesia. No mesmo dia haverá um sarau no mezanino da Casa de Cultura, com a participação de um contador de histórias e microfone aberto para as pessoas soltarem o verbo.

Na segunda quinzena de outubro, pouco antes da Feira do Livro de Porto Alegre, a Taverna vai retomar a Quintanares, feira que reúne editoras e livrarias independentes. Pausado desde o início da pandemia, o evento chegará à terceira edição com cerca de 20 participantes vendendo diversas obras na Travessa dos Cataventos.

Como está abrigada no prédio que serviu de lar para o maior poeta do Rio Grande do Sul, a Taverna diariamente vende livros de Quintana, principalmente as antologias e A Rua dos Cataventos, seu primeiro livro, lançado em 1940, repleto de sonetos. 

— Devemos ser a livraria que mais vende Mario Quintana. A gente tem todos os livros dele e inclusive vendemos todos os dias. A Taverna acaba contribuindo para a difusão da obra do poeta. Temos que ter estoque dos livros — conta Ederson Lopes, sócio da Taverna junto de André Günther. 

Na primeira quinzena de agosto, a Taverna sediará um evento em comemoração aos 20 anos do Prêmio Sesc de Literatura, um dos mais importantes do Brasil, destinado a escritores inéditos, que ainda estão dando os primeiros passos na literatura como profissão. 

Haverá promoções dos livros premiados lançados pela editora Record, além de bate-papo com escritores já contemplados, como Tobias Carvalho, autor de As Coisas (2018), Taiane Santi Martins, de Mikaia (2022), e Tônio Caetano, de Terra nos Cabelos (2020).

Desde o ano passado a Taverna tem sido a sede dos encontros do Leia Mulheres, destinado à leitura coletiva de obras de autoria feminina. Os saraus ocorrem no primeiro sábado de cada mês, sempre às 16h, com entrada gratuita. A programação pode ser conferida na conta do Instagram @leiamulherespoa.

— A livraria é um espaço de troca de experiências. Faz todo o sentido que as pessoas estejam ali também para debaterem e discutirem obras. Acreditamos muito na ocupação da livraria, para além da compra de livros — diz Lopes. 

Momento com o escritor

Um novo espaço atrai a atenção de quem gosta de fuçar em estantes de livros. Antes funcionando somente na internet com vendas de obras usadas, a Paralelo 30 tornou-se livraria física em dezembro de 2022, quando se instalou na Rua Vieira de Casto, a poucos metros da Redenção.

Além de investirem em obras contemporâneas e de ciências sociais, os quatro sócios, Alfredo Job, Camila Konrath, Nathalia Schelini e Vinicius Riskalla têm promovido lançamentos com a presença de escritores. Há semanas em que sediam até quatro desses eventos e houve momentos em que chegaram a receber cerca de 80 pessoas. Em agosto, três escritoras estarão na livraria para lançar suas obras e conversar com os leitores: Camila Maccari, autora de Dias de Fazer Silêncio, no dia 11, às 19h, Ana Paula Pacheco, de Pandora, no dia 18, às 19h, e Eliane Marques, de Louças de Família, no dia 26, às 17h. A entrada é gratuita. 

— Nesses lançamentos, procuramos trazer não só o livro que o escritor está lançando, mas outras obras que escreveu e até obras com temas parecidos. É uma forma de movimentar nossas vendas. As pessoas sempre saem com mais livros do que a obra que está sendo lançada. Também é um momento de celebração da comunidade literária e de aproximação dos leitores com escritores — diz Nathalia. 

Conversas, reflexões e risadas sobre a vida e temas variados também têm espaço na Paralelo 30, que a cada dois meses sediará o sarau da escritora Clara Corleone, autora de Porque Era Ela, Porque Era Eu (2021), e convidados. O próximo encontro ocorre no dia 3 de agosto, às 19h. 

Há intenção de abrir um espaço no segundo andar da livraria destinado a cursos e oficinas com temas focados em literatura. Os sócios também se planejam para estruturar a área do café, ampliando a oferta de bebidas e comidas. Mas tudo será feito no tempo certo — no momento, ainda estão se consolidando como livraria física e recebendo o retorno dos clientes. 

— O movimento é maravilhoso, muito maior do que a gente imaginou. Por causa disso temos que atrasar alguns projetos — explica Nathalia. 

Leia a reportagem original em GZH

Comentários