Fóssil descoberto no RS leva paleontologia brasileira ao mapa científico internacional

O novo fóssil descoberto no Geoparque Quarta Colônia, localizado na cidade de São João do Polêsine, na região central do Rio Grande do Sul, trouxe perspectivas promissoras para estudos sobre o desenvolvimento evolutivo de dinossauros e pterossauros. O chamado Venetoraptor gassenae foi escavado por pesquisadores do Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica da Quarta Colônia (CAPPA), da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no primeiro semestre de 2022, e colocou a ciência brasileira em destaque na última semana. 

O esqueleto incomum é o mais bem preservado do animal, considerado precursor dos pterossauros, grupo de répteis voadores que, apesar de viver na era dos dinossauros, é considerado de outra espécie. A descoberta reforça a hipótese de que esses animais voadores tenham evoluído de uma variação de formas muito mais ampla do que se supunha anteriormente. A pesquisa, que foi publicada na revista científica Nature na última quarta-feira (16), contou com a participação de nove cientistas, sendo quatro brasileiros, três argentinos e dois estadunidenses, e é considerada uma das mais importantes do Estado. 

Escultura de como seria o Venetoraptor gassenae, por Maurílio Oliveira/Divulgação


“O grande ponto é que os dinossauros a gente sabe mais ou menos de onde vieram, como se deu a evolução do grupo. Já os pterossauros, como são animais tão especializados no voo, têm um esqueleto muito modificado, e a gente tinha pouca informação de como foi que esses animais surgiram, como eram os precursores deles. Faltava muita coisa no registro fóssil para a gente ter uma ideia mais clara, e é aí que entra essa descoberta”, explica o paleontólogo Rodrigo Temp Müller, pesquisador que liderou o estudo. 

Foram encontrados mais de 50 fragmentos do animal durante a escavação, e as principais características apontadas, como bico raptorial e mãos com dedos alongados, são consideradas incomuns pelos pesquisadores. Isso porque uma das lacunas que enfraquecia a hipótese de que esses animais, pertencentes ao grupo Lagerpetidae, seriam os precursores dos pterossauros, era de que os outros fósseis encontrados não possuíam o dedo anelar alongado, membro que, mais tarde, se desenvolveria e se tornaria a asa dos répteis. 

“A gente já imaginava que isso fosse aparecer em algum momento, e foi nesse fóssil. Isso é legal porque dá suporte ao que se imaginava. Como pesquisador, a gente nunca quer procurar o suporte, a gente quer derrubar hipóteses. Agora, com isso, a hipótese não é derrubada, ela se mantém”, destaca Rodrigo. 

A partir disso, os cientistas reuniram uma série de dados dos materiais e de outras excursões realizadas pelos integrantes da pesquisa, dando origem a uma super matriz de dados sobre os precursores dos dinossauros e dos pterossauros. Essa análise revelou uma série de variações de formas desses animais, em quantidades muito superiores às imaginadas anteriormente. “Uma explosão de diversidade”, nas palavras de Rodrigo, de animais que foram os pioneiros em vários processos evolutivos, como a presença do bico em aves, observada 80 milhões de anos mais tarde.

Rio Grande do Sul no mapa científico

Apesar de não serem recentes, os estudos de paleontologia no Rio Grande do Sul têm ganhado destaque na última década. O estado é a região brasileira com maior número de geoparques mundiais reconhecidos pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), com o geoparque Caminhos dos Cânions do Sul, que é dividido com Santa Catarina, o Quarta Colônia, onde foi descoberto o novo fóssil, e o de Caçapava do Sul. Os dois últimos foram certificados pela Unesco em maio deste ano.

Em 2021, o Guinness World Records reconheceu que os dinossauros mais antigos já encontrados no mundo são os descobertos no RS, na região do sítio arqueológico de Santa Maria. Estima-se que esses animais tenham pisado na terra há cerca de 230 milhões de anos, e os fósseis são considerados os mais completos e bem preservados já encontrados. 

“Na Índia, por exemplo, eles têm dinossauros da mesma idade, mais ou menos, mas eles são muito fragmentários, então são poucos ossos. Alguns são muito mal preservados, então eles não dão muita informação pra gente”, explica o pesquisador Mauricio Garcia, que também participou da descoberta do fóssil no estado. “Os daqui são bem preservados, bem complexos, e são muito importantes nesse sentido. E não só dinossauros, são vários outros animais também, que conviviam naquela época”.

O Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica da Quarta Colônia (CAPPA) se uniu à Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) em 2010, com o objetivo de oferecer suporte às pesquisas paleontológicas na região da Quarta Colônia, que envolve os municípios de Agudo, Dona Francisca, Faxinal do Soturno, Restinga Seca, São João do Polêsine, lvorá, Silveira Martins, Nova Palma e Pinhal Grande. O setor científico da unidade foi inaugurado em 2013 e, desde então, é responsável por mapear novos sítios fossilíferos, monitorar os locais, além de coletar e guardar os fósseis encontrados.

Rodrigo destaca que, principalmente na última década, se iniciou um processo de levar a paleontologia, que antes acabava sendo mais restrita aos pesquisadores, para o público. A consequência desse movimento é o estímulo à preservação de fragmentos em outras regiões e a proximidade da população com a comunidade científica.

“Nos últimos anos, a gente tem muita coisa importante acontecendo, que reforça a ideia de que temos materiais sensacionais preservados aqui. Esse fóssil nos dá essa primeira visão clara de como eram os precursores. Sempre que se for falar de como eram esses animais em algum livro, algum estudo, esse é o animal que vai ser um modelo. Então sempre vai ser falado da paleontologia daqui, e isso reforça mais uma vez que, aqui em solo gaúcho, a gente tem fósseis que são muito importantes para o contexto evolutivo”, reitera Rodrigo.

Brasil recebe reconhecimento internacional, apesar dos percalços

O desenvolvimento de pesquisas especializadas e de grande prestígio por parte dos pesquisadores no Rio Grande do Sul tem chamado a atenção de outros estudantes e cientistas brasileiros, que têm se deslocado para o estado para se aprofundarem na área. De acordo com Rodrigo, o Centro tem recebido alunos de diferentes estados, como Santa Catarina, Minas Gerais e Pará, para se formarem como paleontólogos. 

“Mesmo com a dificuldade que os países latino-americanos têm para fazer pesquisa, a gente ainda assim tem conseguido fazer pesquisas, que às vezes só universidades maiores conseguem fazer, a ponto de publicar nesses lugares. É claro, os fósseis ajudam muito, mas a gente tá se esforçando bastante, estamos vivendo para isso”, destaca Rodrigo. “Eu diria que essa pesquisa mostra que o Brasil tem um potencial para a ciência e que estamos conseguindo alcançá-lo, no nível de excelência, sem nem uma fração do aporte financeiro que existe em outros lugares”.

Para Mauricio, a publicação da pesquisa na Nature significa colocar a paleontologia brasileira no mapa, mostrando não só o potencial de materiais que podem ser encontrados, mas também a presença de pesquisadores competentes que conseguem desenvolver estudos tão importantes quanto o publicado nesta semana. 

“Encontrar um esqueleto assim para nós é incrível, porque a gente tá sempre fazendo trabalho de campo, e o normal do trabalho de campo é voltar sem nada ou só com fragmentos, que muitas vezes não dá nem pra identificar”, explica Mauricio. “Quando a gente encontrou esse fóssil, ficamos muito felizes, e agora a gente vai continuar fazendo trabalho de campo na mesma localidade e nas localidades vizinhas, e no futuro próximo a gente espera que saiam trabalhos tão importantes quanto esse”, finaliza.

A nova espécie descoberta não recebeu o nome Venetoraptor gassenae à toa. ‘Venetoraptor’ é a definição para um raptor de Vale Vêneto, região turística localizada na cidade de São João do Polêsine. O termo que o acompanha, ‘gassenae’, é uma homenagem a Valserina Maria Bulegon Gassen, política e professora, responsável pela emancipação da cidade de São João do Polêsine, e também uma das principais articuladoras da criação do CAPPA/UFSM. 


Fonte: Sul21 e Agência Bori 

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