Artista gaúcha concorre com Lars Ulrich, do Metallica em prêmio de baterista de metal do ano

Luana Dametto, 27 anos, está rompendo barreiras. Cofundadora da banda brasileira de death metal Crypta, integrada exclusivamente por mulheres, ela está entre os cinco finalistas do prêmio de baterista de metal do ano. 

No concurso, promovido pela Drumeo, plataforma especializada em bateria, Luana concorre com o icônico Lars Ulrich, do Metallica, entre outros artistas de proa. A escolha ocorre por voto popular.

Gaúcha de Tapejara, ela estudou Design Gráfico na Universidade de Passo Fundo (UPF), mas o desejo de brilhar nos palcos acabou trilhando seus rumos. 

A artista segue morando no pequeno município gaúcho e, após o término de um ensaio no seu apartamento, conversou com o site de notícias GZH sobre a indicação para baterista de metal do ano, a crescente presença de mulheres na cena musical, o machismo e o sucesso do mais recente álbum da Crypta, Shades of Sorrow, lançado em 2023. 

Confira abaixo os principais trechos, depois da imagem.


@luanacdametto Instagram / Reprodução


O novo álbum da Crypta foi muito bem recebido pelo público. Isso, de certa forma, já te fazia acreditar na indicação para baterista de metal do ano ou foi surpreendida?

Foi bem de surpresa. Quando recebi o e-mail dizendo que fui indicada, eu esperava que tivessem outros 20 bateristas na categoria. Acabei vendo que eram cinco contando comigo. Por melhor que o disco tenha sido recebido e por mais que eu tenha feito o melhor de mim, eu realmente não esperava que iria chegar a ponto de ser nomeada pela Drumeo.

Você está concorrendo com grandes nomes da música, inclusive alguns icônicos. Tem admiração especial por algum deles?

Um baterista que está concorrendo e que também é gaúcho é o Mauricio Weimar (na categoria melhor baterista de Instagram). Ele foi meu professor muito antigamente. Fizemos uma aula estendida. Foi ele que me ensinou a fazer a técnica que mais uso nas músicas. Ele ajudou a montar a bateria do jeito que eu monto, fazer a técnica de blast beat, regular o meu pedal. Sempre tive muita admiração pelo Mauricio porque ele tocou em várias bandas tradicionais e clássicas do Rio Grande do Sul no death metal. É bem significativo cair em uma lista que tem o Mauricio em outra categoria.

Comecei do nada, mas não foi por brincadeira. Seria um hobby para preencher meu tempo, mas eu sempre levei a sério, ensaiava todo dia, fazia aula

Como e quando começou a tocar bateria? No início, já desejava ser profissional?

Eu comecei a tocar quando tinha 12 anos. Eu não sabia o que queria fazer da vida. Tapejara é uma cidade pequena, na época não tinha amigos, não saía muito de casa, não fazia muita coisa. Só jogava videogame. Eu decidi que queria fazer alguma coisa, ter algum hobby que eu pudesse me esforçar, gastar tempo. Eu ouvi falar do amigo de um amigo que tocava bateria e resolvi falar para os meus pais que queria uma bateria. Durante o processo em que estava aprendendo a tocar, descobri o metal e outros bateristas. Joey Jordison (baterista do Slipknot, falecido em 2021) foi quem me influenciou a começar a tocar metal. Desde o começo eu queria ser profissional. Comecei do nada, mas não foi por brincadeira. Seria um hobby para preencher meu tempo, mas eu sempre levei a sério, ensaiava todo dia, fazia aula. E, quando conheci metal, botei na cabeça que queria fazer isso por carreira.

Você é formada em Design Gráfico pela Universidade de Passo Fundo (UPF)? Hoje está conseguindo viver financeiramente só da música, do death metal, ou faz trabalhos paralelos?

Eu não cheguei a me formar. Eu quase me formei. Eu vivo só da banda e da música. A gente faz tour quase o ano inteiro. Não tem muita pausa. Vamos ter uns dias agora em janeiro de pausa e, depois, voltamos em turnê.

Por conta da banda, você segue morando no Rio Grande do Sul ou teve de mudar?

Eu ainda moro em Tapejara e não pretendo sair daqui. É um lugar tranquilo, tem pouquíssima criminalidade. Eu prefiro um lugar tranquilo, onde todo mundo se conhece. A gente conhece todos os médicos, os donos das farmácias (risos).

Aqui no Estado você tinha uma banda, certo? Como surgiu a oportunidade de entrar no grupo de thrash metal Nervosa (banda só de mulheres que já foi integrada por Luana antes da fundação da Crypta, em 2019), que é de São Paulo?

Eu tinha 16 anos e uma banda de Passo Fundo (Apophizys) me chamou. Eu entrei e com eles aprendi o básico do metal. Me puxei bastante, fizemos vários shows no Rio Grande do Sul. Eu entrei na faculdade quando estava na Apophizys. A Nervosa tinha ficado sem baterista. E baterista de metal mulher, aqui no Brasil, é bem difícil. Eu recebi uma mensagem no Facebook da Prika (Amaral), guitarrista da Nervosa, perguntando se eu tinha interesse. Elas me deram duas semanas para aprender 12 músicas do setlist da Nervosa. Eu estava na época do TCC na faculdade, que é bem conturbado. Tranquei a faculdade no mesmo dia. Passei em casa nessas duas semanas em cima da batera aprendendo as músicas e mandei vídeos. Depois, elas queriam me ver pessoalmente. Fiquei 20 dias em São Paulo, fiz a audição e a gente já saiu fazendo show dali. Alguns meses depois fui para a minha primeira turnê internacional com a banda, que foi na Europa. E, desde então, estou fazendo a mesma coisa.

Você já tocou em duas bandas só de mulheres, a Nervosa e, atualmente, a Crypta. O heavy metal é um gênero muito dominado pela masculinidade e até por um conceito de virilidade, dependendo da banda. Vocês ainda sentem alguma resistência ou discriminação?

As coisas melhoraram com o tempo, mas ainda tem muito machismo na cena. Eu sinto muito um lance de ter de se provar o tempo inteiro. Tem que provar que sabe afinar o próprio instrumento, que sabe montar as coisas sem ajuda, que sabe tocar as músicas. Sempre tudo é uma questão de provar. Às vezes, é chato. Como estamos fazendo isso há muito tempo e com turnês constantes, estamos acostumadas e sabemos contornar essas situações. Precisa de paciência para lidar com algumas pessoas que trabalham com palco e já vem botando a mão no teu equipamento, como se eles soubessem mais. Não é todo mundo, mas ainda existe (machismo) com frequência.

Por outro lado, a presença de mulheres em bandas de rock e metal é cada vez maior. Podemos citar a Alissa White-Gluz, a Nita Strauss e a Prika Amaral. Acredita que estamos no meio de uma transformação sociocultural?

Acredito que sim. Se a gente olhar para 10 anos atrás, era bem menor a quantidade de mulheres fazendo o que a gente está fazendo. Claro, já existiam bandas de mulheres, mas com tanta evidência, na ativa e em turnê, é uma coisa especial dos dias que estamos vivendo agora. Acho que estamos participando dessa transformação. Talvez, daqui 10 anos não tenha mais esse negócio de ficar se provando. E, talvez, daqui 10 anos uma banda de mulher não dê mais audiência porque mulher e homem é a mesma coisa. Banda de mulher sempre vai dar mais audiência (atualmente). Como é uma coisa mais difícil de ver, sempre tem mais visualizações em vídeos, mais comentários, mais seguidores. E isso não é inteiramente positivo. Assim como tem mais audiência, também recebe mais "hate", mais comentários sem noção falando sobre aparência e coisas que não tem nada a ver com música.

O segundo álbum da Crypta, Shades of Sorrow, é mais técnico e elaborado do que o disco de estreia, o Echoes of the Soul?

Sim, concordo. Echoes of the Soul foi o primeiro álbum da banda. Eu e as guitarristas ainda estávamos nos conhecendo. Por mais que seja um disco que gostamos muito, foi uma época que ainda estávamos aprendendo a compor juntas e conhecendo as manias de cada uma. O segundo disco foi bem mais fácil de compor.

Shades of Sorrow é apontado pela crítica e por fãs como um dos melhores álbuns de metal de 2023. Como tem sido a repercussão e a turnê?

Tem sido bem legal. A gente percebeu que, desde o último disco, o nosso público ao vivo aumentou, principalmente no Brasil. Estamos sempre tocando aqui. Saiu na Billboard (parada das músicas mais populares). Ficamos bem impressionadas ao ver o death metal na Billboard. Vamos retomar a turnê em janeiro com shows no Brasil, depois Estados Unidos e Europa. Já temos tour marcada até agosto de 2024.

Tobias Forge, líder e vocalista do Ghost, fez elogios à Crypta recentemente. Como vocês reagiram? A Crypta está no caminho de se tornar uma banda estourada no mundo?

Foi muito louco receber qualquer elogio dele porque sempre fui muito fã de Ghost. Também foi muito significativo ter chegado ao ponto de abrir o show do Ghost em São Paulo e ter recebido um comentário positivo de um cara que é um ícone do metal. Quanto à Crypta estourar, esperamos que sim. Eu não posso dizer que tenho alguma expectativa. Sendo bem realista, uma banda de death metal é difícil estourar. Faz muitos anos que isso não acontece. A Crypta é um death metal de entrada, que chama bastante gente que não é do gênero. Temos melodias e refrões. Não é um death metal tão pesado que só chama os fãs do estilo, mas eu não sei se a gente tem expectativa de estourar. Espero que sim, mas sempre com os pés no chão.

A Crypta tem tocado nos festivais europeus de verão, alguns dos quais se tornaram palcos gigantes e consagrados. Guarda na memória algum show como especial?

Acho que o mais especial que tocamos foi o Wacken (Wacken Open Air, na Alemanha). É um dos maiores festivais de metal do mundo. Conseguimos tocar lá e teve a gravação do show que saiu na internet.

Letras de músicas da Crypta falam sobre temas sociais e angústias do ser humano. Você participa da criação das letras ou fica com a Fernanda Lira (vocalista e baixista da Crypta)?

É mais a Fernanda. A gente concorda com as letras sempre, lê tudo antes de ser lançado, conversamos sobre temáticas, mas quem escreve as letras e vem com as ideias é, geralmente, a Fernanda.

E como é o processo da composição da tua linha de bateria? É um trabalho conjunto ou mais solitário?

Eu diria que a bateria é um trabalho mais isolado, mas todo mundo participa dos processos de composição. Eu e a Fernanda, que não tocamos guitarra, mandamos riffs cantados para as guitarristas, que fazem e melhoram os riffs. Às vezes, eu faço uma linha de bateria e alguém fala: ó, essa parte aí não era para ser lenta. Eu mudo para uma coisa mais rápida. Todo mundo participa um pouco de tudo.

Você tem momentos em que aprecia outros estilos musicais ou é só metal?

Majoritariamente eu escuto death metal, meu gênero favorito, mas eu escuto bastante música clássica, orquestra e algumas óperas aleatórias no Spotify. Também escuto música sacra e cantos gregorianos. E algumas bandas de indie.

Quando poderemos ver você e a Crypta no palco novamente em Porto Alegre?

Não tenho previsão do mês, mas quase certeza de que, em algum momento do ano que vem, vai acontecer mais um show em Porto Alegre. Não sei se seremos só nós ou se vamos abrir para outra banda porque não fechou ainda, mas está sendo conversado.

Leia a reportagem original em GZH

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