Catador e mestre em Antropologia Social pela UFRGS é homenageado pelo Presidente da República

O estudante universitário de mestrado da UFRGS, Alexandro Cardoso, conhecido como Alex Catador, foi homenageado no Natal dos Catadores, quando recebeu a ata de defesa do seu mestrado em Antropologia Social pela UFRGS. A entrega foi realizada pelo Presidente Lula, pela Primeira Dama Janja e pelo coordenador do PPGAS professor Jean Segata. A cerimônia ocorreu dia 22 de dezembro, durante a 10ª edição da Expocatadores, realizada nas dependências do Estádio Nacional Mané Garrincha, em Brasília.

Ricardo Stuckert/PR/Divulgação


Alex Catador ingressou no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS-UFRGS) por meio da Política de Ações Afirmativas. Sua dissertação, intitulada "Organização de catadoras e catadores de materiais recicláveis: dos coletivos locais às mobilizações internacionais", explora o sofrimento social e o racismo ambiental enfrentados diariamente por catadores/as de materiais recicláveis. O trabalho oferece uma perspectiva enriquecedora da antropologia engajada, trazendo um testemunho vívido das lutas e mobilizações desses coletivos.

A banca examinadora foi composta por Jean Segata (UFRGS - presidente/orientador), Cornélia Eckert (UFRGS), Viviane Kraieski de Assunção (UNESC), Sandro Benedito Sguarezi (UNEMAT) e Valdo José Cavallet (UFPR).

Avanço social

Alex revela o que o ato simbólico com a presença do Presidente Lula significa: "Um avanço muito importante não para mim individualmente, mas para a nossa categoria, que vê na sua frente algo concreto que é a entrega do diploma para um catador. Isso mostra um caminho de possibilidade, mostra que é possível que a gente possa retornar a estudar e fortalecer nosso conhecimento, fortalecendo também nossa organização e nossa luta. E demonstra isso não só para os catadores, mas para a sociedade. Mostra que, quando se conquista uma política pública, a gente consegue avançar. Geralmente, a pobreza é tratada como sinônimo de burrice. Mas o que temos não é falta de conhecimento, é falta de oportunidade, de inclusão e de apoio para que a gente consiga se fortalecer como os outros. Quem é rico ganha muito apoio, tem herança e não precisa lutar para conquistar, porque já nasce rico. Isso também mostra a importância da universidade pública e de qualidade, que tem professores e professoras engajados no futuro do país e que não está formando apenas o estudante, mas está contribuindo na formação da nação”.

Ele conclui afirmando que o fato de um catador, vindo de uma universidade pública de excelência e qualidade, receber o certificado de mestre pelas mãos do Presidente da República é realmente um ato concreto de avanço social.

Universidade mais plural

Para o professor Jean Segata, que orientou Alex durante o mestrado, a conquista é muito positiva para o PPGAS, pois mostra o processo de consolidação das políticas de ações afirmativas. “Este ano, tivemos a aprovação da Resolução 1523, que estabelece as ações afirmativas em todos os programas de pós. O nosso PPG, em particular, foi dos primeiros a implementar essa iniciativa, ainda em 2015, para pessoas autodeclaradas negras e para indígenas. Dois anos mais tarde, já tínhamos o ingresso para pessoas com deficiência e, de 2019 para 2020, o ingresso para pessoas trans. Agora, também quilombolas, refugiados, pessoas com visto humanitário e imigrantes em situação de vulnerabilidade social”, observou.

Segundo o orientador, nunca se tratou apenas de reserva de vagas, mas de uma política que realmente pense o acolhimento desses alunos, reconfigurando os processos de ensino-aprendizagem e trabalhando em prol da permanência. “Uma das grandes dificuldades que temos tido é conseguir não só estabelecer o ingresso desses estudantes, mas a sua permanência. Muito disso se deu a partir de uma relação mais aproximada com a graduação. O caso do Alex é bem típico, pois na graduação ele já vinha atuando junto ao Núcleo de Estudos Animais, Ambientes, Alimentação e Tecnologias (NEAAAT) por meio da Iniciação Científica, e também colaborando com a Rede Covid-19 Humanidades MCTI”, conta.

Inspiração para ingressar na universidade

Em uma avaliação a respeito da trajetória de seu orientando, Segata explicou que vê como extremamente positiva a conclusão do mestrado. “Um trabalho muito potente, que descreve de forma vívida o cotidiano de catadores e catadoras nas diferentes cooperativas e formas de organização, sobretudo ressaltando o sofrimento social e o racismo ambiental sofrido por toda essa população. Ele conseguiu transformar parte de sua própria biografia em um testemunho antropológico de desigualdade, de luta ambiental e de luta por uma categoria de trabalhadores que se tornaram invisíveis. É muito positivo também ver o quanto o investimento nas ações afirmativas pode potencializar o crescimento de alguém: o Alex fez o EJA com 35 anos e ingressou nas Ciências Sociais por meio das políticas afirmativas. Ele é uma liderança em sala de aula, um estudante que chama os outros para o trabalho e uma liderança entre os catadores, sempre engajado em diferentes eventos e sem descuidar de suas tarefas acadêmicas.

O docente espera que Alex “seja a inspiração para que mais pessoas historicamente excluídas da universidade se sintam encorajadas a ingressar na vida acadêmica e que encontrem uma universidade mais plural, diversa e acolhedora que potencialize suas lutas”. Conforme Segata, o PPG em Antropologia Social tem trabalhado para criar espaços de construção democrática e engajada de conhecimento, sobremaneira por meio da consolidação da sua política de ações afirmativas, iniciada em 2015.

O professor acrescenta que o agora mestre segue integrado a dois núcleos de pesquisa do PPGAS sob sua coordenação: a Rede Covid-19 Humanidades MCTI, no qual tem contribuído com a análise dos impactos sociais da pandemia entre catadoras e catadores de materiais recicláveis, e o NEAAAT - Núcleo de Estudos Animais, Ambientes, Alimentação e Tecnologias, em que desenvolve pesquisa sobre sofrimento social e racismo ambiental entre catadoras e catadores de recicláveis.

Alex já foi aprovado para ingressar em 2024 no doutorado em Antropologia Social na UFRGS, também através das Políticas de Ações Afirmativas.

Fonte: UFRGS



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