LEITURAS DE DOMINGO: A volta das livrarias de rua chama atenção dos brasilienses

Andar pela rua e encontrar por acaso uma livraria aconchegante no meio da cidade, podendo sentar e trocar conversas sobre bons livros e histórias, com pessoas tão interessadas pelo mundo literário quanto você, é uma vivência única. Ter a oportunidade de tocar e sentir o cheiro dos livros prediletos ou dos que estão na sua lista e ainda ouvir boas recomendações de livreiros, são experiências promovidas pelos espaços especiais das livrarias de rua, que estão cada vez mais fortes em Brasília. 

Reprodução

Nos últimos anos, principalmente durante a pandemia, uma onda de fechamento de livrarias de empresas mainstream permitiu que pequenas livrarias abrissem suas portas para acolher leitores, escritores e amantes da cultura da capital. O grande diferencial de ter curadorias mais específicas, livros com preços mais justos e pessoas empenhadas em te fazer emergir nas histórias, é o que atrai jovens leitores para esses locais, incentivando o consumo e o hábito da leitura.

Para Nathália Guimarães, 24 anos, poder ter interações com outros clientes e funcionários dessas livrarias é o maior incentivo para frequentar esses ambientes. "Não é um lugar que você vai só para comprar, é um lugar que você vai passar o dia conhecendo novas histórias, novas pessoas, fazendo amizades", diz ela.

Para os proprietários e sócios desses espaços, a troca com os clientes também é o que mais motiva a continuação dos negócios. "É gostoso encontrar as pessoas aqui, divulgar, falar sobre livros. Quando você tem um espaço, quando você tem uma livraria, várias outras possibilidades se abrem", compartilha a proprietária da Livraria Circulares Camile Sahb.

Localizada na 113 Norte, a livraria teve suas atividades iniciadas em setembro de 2021, quando Camile e sua sócia, Ariana Frances, inspiradas por uma onda de abertura de livrarias de rua em São Paulo, sentiram a necessidade de ter um cantinho especial para falarem do que mais amam: livros. A loja, administrada por duas leitoras e amantes de literatura, empenhadas em criar uma comunidade entre seus consumidores e leitores, possui uma curadoria especial focada em literatura contemporânea, com espaço para editoras e escritores independentes.

É com esse objetivo que a livraria, hoje, vem ganhando cada vez mais espaço na cidade e recebendo eventos, autores e clubes de leitura da cidade, como o próprio Clube do Livro da Circulares e também o Leia Mulheres Brasília, incentivando debates de temas importantes."A gente fez um diálogo entre os autores da cidade e de fora, recebemos muitos que estão no primeiro lançamento do livro", afirma Camile.

Além dos espaços de livraria, muitos desses empreendimentos entendem a necessidade de ter outros atrativos, como um café ou outro espaço de convivência entre os frequentadores. Segundo a leitora Nathália Guimarães, a presença desses ambientes torna as pequenas livrarias mais acolhedoras e únicas em relação àquelas de grandes empresas. "As livrarias e sebos de rua têm um ambiente mais acolhedor, como se fosse feito para os leitores passarem o dia no espaço, como o Sebinho da Asa Norte, que tem um espacinho até para a gente sentar, comer e ler por lá", diz ela.

Sebinho Livraria, Cafeteria, Bistrô e Restaurante, situado na 406 Norte, é conhecido pelos amantes de livrarias e por toda a comunidade brasiliense pelos seus 38 anos de atividade e presença na cena literária da cidade. Abrindo suas portas em 1985, a história do Sebinho teve início em uma kitnet e em um Fusca que circulava pela UnB e o Ceub com os livros da família. "No início, eu só acompanhava meu irmão nas jornadas de panfletar na porta das faculdades e carregar a velha banquinha de camelô", conta um dos donos do empreendimento Euro César.

O sebo conta com um acervo de milhares de livros usados, dos mais diversos gêneros e conteúdos, uma vasta lojinha de lembrancinhas literárias e além de ser a maior distribuidora de Comics em Brasília. Além do seu grande espaço para livros, os frequentadores do sebo podem consumir um bom café ou até refeições no local, lerem à vontade ou apenas desfrutar do aconchego do espaço. Em 2010, o projeto Sebinho Cultural foi lançado com o objetivo de promover eventos literários, exposições, palestras, cursos e lançamentos de livros.

Não é novidade, que hoje em dia, comprar livros pela internet é muito mais econômico e prático, por isso, a chave para conseguir um bom retorno e atrair a comunidade é ter um diferencial no empreendimento, como lojinhas, cafeteria, artesanato e um atendimento especial. Outra livraria de rua, também com uma proposta de cafeteria, é a Porão, Livro & Café, localizada na 405 Norte, com um acervo composto por 95% de livros usados, selecionados com cuidado.

Qualquer colecionador ou amante de livros é bem-vindo para contribuir para o acervo da livraria por meio da venda de exemplares usados que estejam pegando poeira em casa. Os livros passam por uma avaliação dos donos, que escolhem os mais interessantes para compor o espaço. Segundo a proprietária, Luana Pessoa, depois de propor um preço para os livros escolhidos,

As formas de troca e pagamento podem variar. "O cliente concordando pode receber em dinheiro, em Pix, ou pode ficar de crédito na loja ou em consumo no café" , afirma ela.

De acordo com Luana Pessoa, ela e o sócio, Sebastião Rodrigues, utilizam de estratégias no empreendimento para que ele se destaque. "A livraria pode ser pequena, mas com uma curadoria cuidadosa, que agrade seu público, com um bom investimento no local, que seja mais aconchegante e com uma escolha em livreiros qualificados para atender", diz Luana.

Para ela, esses espaços também possibilitam a inserção de escritores e artistas locais na cena, e funcionam como pequenos polos culturais para a comunidade. "Como amantes da cidade e como livreiros, a gente se sente na responsabilidade também de dar oportunidade para as pessoas que ainda continuam construindo Brasília, na parte cultural", compartilha ela.

Segundo um dos donos do Sebinho Euro César, essa onda de fechamento de grandes empresas de livrarias e o surgimento de menores representam a resistência de um propósito de democratizar e diversificar a leitura para a sociedade, não apenas com preços mais em conta. "Acredito que esses espaços influenciam o acesso à leitura pela magia de deixar o livro encontrar você, essa é uma experiência incrível que você só vive em um sebo, que vai muito além de simplesmente consumir", conclui Euro.

Clubes de leitura

Além de explorar novos universos por mieo dos livros, conhecer pessoas também não é difícil, exemplo disso são os clubes de leitura. Esses grupos se reúnem regularmente para discutir livros, compartilhando opiniões e debatendo os temas tratados na obra. Assim, a Revista escolheu alguns grupos importantes da capital brasiliense.

• Leia Mulheres Brasília: encontros mensais e virtuais (@leiamulheresbrasilia)

• Leituras Decoloniais: leituras coletivizadas, com cronogramas e encontros semanais, via apoio na plataforma Catarse (@leiturasdecolonais).

• Clube de Leitura Distopia: encontros remotos e bimestrais de obras de ficção científica, terror e HQ escritos por mulheres (@clubedeleituradistopia).

• Traça: espaço que combina literatura e feminismos. Encontros mensais on-line (clarissagalvao.com.br).


Mudanças no cenário literário

Mesmo com a crescente migração das livrarias físicas para o meio virtual, as lojas mais intimistas e os sebos sobrevivem. De acordo com o professor de literatura Luiz Eloá, as pequenas livrarias acabam preenchendo esse espaço deixado pelas megaempresas. "As grandes redes não se sustentaram exatamente pela estratificação e diversidade que o mercado literário impõe no contexto atual. É um público de múltiplos gostos e interesses que não se atrai pelo plano geral proposto por elas", explica Luiz.

O professor destaca que, em Brasília, há uma multiplicidade étnica e cultural imensa, gerando um público leitor diverso, que se seduz por esses espaços. Além disso, outros fatores também causam essa procura. "O uso de livros digitais e a falta de divulgação de bibliotecas e espaços culturais brasilienses prejudicam o acesso dos leitores, tornando as pequenas livrarias de rua e sebos literários mais propensos para os consumidores", completa.

Segundo Luiz, a quarentena causada pela pandemia também reacendeu em muitos o hábito da leitura e esse interesse pela ficção não acabou no período. "É verdade que voltamos a nos aglomerar como antes, mas é também verdade que aprendemos a valorizar os momentos de solidão produtiva com um livro ou filme", finaliza o especialista.

Sendo um dos pilares das livrarias brasilienses, os jovens da capital são os que mais leem. Segundo uma pesquisa do ObservaDF, em parceria com a UnB (Universidade de Brasília), de 2023, o hábito de leitura é mais frequente entre os jovens de 16 a 24 anos. "Para pessoas na faixa entre 35 e 44 anos, ler é menos presente no cotidiano", completa a escritora e produtora cultural Lella Malta.

Leia a reportagem original no Correio Braziliense

Comentários