Na escola, a fila do recreio era um desafio. Ficar de pé alguns minutos já bastava para que o cansaço tomasse conta. Usar um moletom também era impossível: a sensação de calor a sufocava. Até mesmo brincar com a irmã caçula estava fora de cogitação, tamanho o desgaste. São atividades tão corriqueiras, mas que para Lavínia, 13, eram um sonho —que se tornou possível depois de um transplante de coração, pouco mais de dois anos atrás.
| Aquivo Pessoal |
"Eu nunca conseguia brincar. Lembro que na minha escola tinha um parquinho, e sempre na hora do intervalo, tinha que ficar ali sentada, olhando as minhas amigas brincarem no escorrega, no balanço… Quando eu ia, ia só uma vez no balanço. Não podia ir mais porque eu me cansava muito. Lembro uma vez, quando a gente foi num restaurante, só de atravessar a rua eu já tinha me cansado. Aí eu comecei a ficar tonta e falei para a minha mãe que eu ia desmaiar. Eu sempre me cansava de fazer qualquer coisa simples", conta.
A batalha começou cedo. Com apenas cinco meses de vida, a menina recebeu o diagnóstico de miocardiopatia hipertrófica do ventrículo esquerdo, condição em que o músculo cardíaco cresce além do normal, o que eleva muito o risco de morte súbita. Aos três anos, vieram os primeiros desmaios. A cada crise, a mãe, Michelle Cruvinel, e o pai, Rafael Lacerda, corriam com a menina para o pronto-socorro.
Um marcapasso foi implantado para ajudar o coração a funcionar corretamente, mas o receio com a condição e os desmaios nunca deixaram de assombrar a família. "Ela avisava, falava assim: ‘estou vendo tudo preto’", recorda Michelle.
Em um episódio, Lavínia precisou ser transferida para o hospital. "A gente pegou uma UTI móvel e ficou cinco horas dentro de uma ambulância com ela nessa situação, até chegar em Belo Horizonte. Aí, nesse caminho, ela teve três ou quatro paradas cardíacas." No momento mais crítico, pediu que uma amiga acendesse uma vela e lhe enviasse uma foto. "Eu coloquei atrás dela, enquanto o monitor estava zerado", conta.
O monitor voltou, e a família deixou Medeiros, cidade mineira onde morava, para trás. "Do jeito que eu saí da minha casa, eu fui. E nunca mais entrei lá. Já até vendemos", diz Michelle. Dentista de formação, ela abriu mão da profissão para se dedicar integralmente à família. Hoje, trabalha ao lado do marido em uma distribuidora de queijo canastra.
Em BH a família se instalou, e foi lá, em 2022, que Lavínia teve outra parada grave, no corredor da escola. Foi internada, teve perda de memória. "Ela não acordava, sabe? Não morreu, mas não acordou. Não sei explicar, não", diz Michelle.
A família decidiu mudar para São Paulo, para ficar próxima do médico que acompanhava periodicamente Lavínia, o cardiologista Gustavo Foronda, que atua do Einstein Hospital Israelita e do próprio hospital, a 5 minutos de carro na nova casa. O hospital mantém um programa de transplante, com um total de mais de 4.700 procedimentos, 90% em pacientes da rede pública.
A proximidade foi providencial. Um dia de madrugada, Lavínia chamou a irmã mais nova, Paola, e pediu para avisar a mãe que não se sentia bem. No hospital, chegou a ser reanimada.
Lavínia foi internada em regime de urgência. Tinha 10 anos e pesava apenas 23 kg. "Ela era baixinha e muito magra. Eu dizia que ela era um cisquinho." Algumas semanas se passaram até todos os exames serem realizados e confirmados, e a menina foi inscrita na lista de espera para o órgão. Existe prioridade para crianças, mas não há como prever o tempo de espera. É preciso que o órgão seja do tamanho certo e com compatibilidade sanguínea e imunológica.
"A Lavínia precisou ficar internada depois de uma piora do quadro dela durante bastante tempo até o transplante. Ela já era uma menina muito resiliente e sempre alegre, apesar de todas as limitações que ela tinha", afirma Foronda.
O coração chegou em 30 de maio de 2023 e foi um dos 430 transplantados no Brasil naquele ano, número que subiu para 440 em 2024.
O número de corações efetivamente doados deveria quadruplicar para atender à demanda da lista de espera. Segundo dados do Registro Brasileiro de Transplantes, em junho de 2025, data da última consolidação, 56 crianças e adolescentes (0 a 17 anos) aguardavam um órgão. Ao longo do primeiro semestre deste ano, oito pacientes nessa faixa etária morreram enquanto aguardavam uma chance.
Durante a espera por um coração, Michelle transformou o perfil pessoal no @coracaoparalavinia, que hoje reúne 275 mil seguidores, em que é apresentada parte da rotina da família e se discutem aspectos da doação de órgãos, como sensibilização para doações, os cuidados pós-transplante, os ajustes que se deve seguir na dieta, o que acontece na puberdade de alguém que foi transplantado e mais. Foronda é presença constante nas postagens.
Depois da cirurgia, o perfil passou a ser também espaço de agradecimento e homenagem ao doador, João Pedro, que morreu aos 12 anos por causa de um AVC (acidente vascular cerebral). "Mesmo na dor da partida, seu coração continuou a bater em meu peito. E a cada batida eu lembro que dentro de mim vive também a coragem e a generosidade de uma família, que mesmo na despedida doou o amor", disse Lavínia em uma postagem.
"Junto com a família, Lavínia começou a fazer um trabalho de conscientização sobre doação de órgãos, que é o elo mais frágil no programa de transplante. E mesmo após o sucesso do seu tratamento, continuou e continua até hoje muito engajada nesse propósito. Essa é uma história de muito sucesso dentro do Einstein Hospital Israelita e uma história de crescimento pessoal dessa paciente maravilhosa, que continua se preocupando muito com a campanha de doação de órgãos, que é fundamental para qualquer programa de transplante ter sucesso", relata Foronda.
A família permanece em São Paulo, e, mais de dois anos depois, a boa notícia é que a biópsia do coração de Lavínia permanece com zero rejeição. O exame é o padrão-ouro para acompanhar o transplante e é feito periodicamente.
Lavínia tem descoberto pequenos prazeres, como acordar sem fadiga, brincar sem sentir falta de ar, experimentar os moletons. E não precisa ficar mais sentada na aula de educação física. Tinha uma lista de sonhos a realizar: andar de patins, fazer aulas de inglês e de natação, visitar a Disney. Aos poucos, eles foram sendo riscados da lista, e até crossfit ela faz.
E o que falta fazer? "Agora não sei, mas quando for adulta, quero ser médica igual o Foronda", diz sorrindo.
A mãe encara o esforço de manter rotina e redes sociais pujantes como uma missão. "A gente quer que as outras pessoas tenham a mesma chance que a Lavínia teve, de continuar a viver, e que as crianças tenham uma infância feliz."
"A gente nunca pode desistir. Mesmo se tiver um dia difícil, você tem que pensar que Deus sempre está do seu lado e que sempre é possível se você tiver fé nele", diz Lavínia.
Fonte: Folha de SP
Fonte: Folha de SP
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