Catadores de rua terão anistia das multas em Porto Alegre

As multas recentemente aplicadas a catadores de materiais recicláveis em Porto Alegre serão anistiadas – é o que define projeto de lei aprovado na quarta-feira na Câmara Municipal. Com isso, trabalhadores autônomos multados não precisarão mais pagar os valores cobrados pela prefeitura. A proposta do vereador Airto Ferronato (PSB) teve anuência do governo, o que indica que será sancionada pelo prefeito Sebastião Melo (MDB).


Elizabeth Nader/Prefeitura de Vitória

Desde o início da atual gestão, multas foram aplicadas aos catadores de rua com base no Código Municipal de Limpeza Urbana, lei de 2014 que define a coleta dos resíduos sólidos recicláveis – o lixo seco – como um serviço exclusivo Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU).

O cerco autorizado por Melo tinha o objetivo de inibir a busca de materiais na rua. Ir contra essa norma constitui falta gravíssima, com punição que passa dos R$ 7 mil. Nas galerias da Câmara, catadores exibiam papéis das multas durante a discussão do projeto.

As irmãs Stefani e Paula Guedes são catadoras e não chegaram a ser multadas - se fossem, perderiam a renda de vários meses com o parcelamento da dívida. "O resíduo, para os 'não formais', é um giro de renda. Na coleta seletiva, a pessoa vai como está e consegue tirar o pão de cada dia", conta Bibi, como Stefani é chamada. Para ela, a multa é como "tirar o sustento de quem não tem".

Mesmo sem dados oficiais, é perceptível que aumentou a quantidade de pessoas na rua que recorrem à coleta de material para reciclar, especialmente devido à pandemia e à atual crise econômica. Esse foi um dos argumentos sustentado pelo autor da proposta e repetido por vários outros vereadores que se manifestaram na tribuna.

Na justificativa, Ferronato cita que a Câmara aprovou "diversos projetos de leis" concedendo benefícios sobre dois tributos municipais, o IPTU – neste caso para imóveis de maior valor – e o ISS, reduzindo o valor de multas e juros por meio do programa Recupera POA. "Acredito positivo também anistiar pessoas de baixa renda", discursou o vereador.

Líder do governo, o vereador Cláudio Janta (SD) seguiu o argumento: "nós que isentamos impostos de várias áreas, vários setores, não podemos viver com essas pessoas sendo multadas". E completou sustentando que a anistia "não significa que não tenhamos que ter uma regulamentação".

Antes mesmo da sessão que anistiou as multas, a aplicação delas já vinha sendo criticada no meio político. O próprio prefeito dava sinais de que pretende buscar outra solução para o impasse com a categoria. As secretarias de Governança e de Desenvolvimento Social ficaram responsáveis pelo diálogo com os profissionais. A ideia é saber quantas pessoas em Porto Alegre trabalham com a separação e a venda dos materiais recicláveis de forma autônoma, ou seja, sem vínculo com cooperativas. A ideia é formalizar os grupos para que possam firmar parceria com a prefeitura.

Mas o processo não é simples. Há quatro anos Bibi e Paula criaram a SDV Reciclando – sigla para "sabor da vitória", que expressa o sentimento delas e de outras mulheres da Vila dos Herdeiros, na Lomba do Pinheiro, em trabalhar e ter acesso à renda. No entanto, ainda não conseguiram formalizar a cooperativa.

Falando em coleta na rua

Também tramita no Legislativo de Porto Alegre uma proposta da vereadora Bruna Rodrigues (PCdoB) que altera o Código Municipal de Limpeza Urbana para permitir que, além do DMLU, a coleta na rua possa ser feita por pessoas em situação de vulnerabilidade que tenham na reciclagem a sua única fonte de renda. Em emenda, indica que esses trabalhadores sejam encaminhados à cooperativas e associações.

Anistia não deveria ser geral, alega vereadora

Dentre os seis votos contrários à anistia das multas aos catadores, a vereadora Lourdes Sprenger (MDB) foi a única a se manifestar. A parlamentar alertou que seria preciso diferenciar quem recolhe o material na rua para o seu sustento daqueles chamados de “clandestinos” – pessoas que circulam com veículo motorizado recolhendo os sacos de lixo antes do caminhão da coleta seletiva. Da forma como o projeto foi aprovado, a anistia vale também para este grupo.

“Se tem caminhões em situação irregular, então, não podem circular, pois colocam em risco outras pessoas e também os motoristas”, alegou Lourdes. Nos casos em que a equipe da prefeitura não conseguia flagrar a pessoa recolhendo o material na rua – essa é uma das infrações passíveis de multa – a fiscalização focava na condição do veículo, multando o motorista por falta de licenciamento ou por não ter habilitação.

Há denúncias de descarte irregular do material sem valor para a venda – o que é rejeito, orgânico ou o seco que perdeu valor por estar misturado. Quando isso acontece, é a prefeitura que faz a limpeza. “Queremos a inclusão dessas pessoas e defendemos os galpões de reciclagem”, sustentou a vereadora.

Lourdes lembrou ainda que a prefeitura paga pelo serviço de coleta feito pela Cootravipa, que por sua vez encaminha os resíduos para as unidades de triagem. Em 2020 o contrato foi de R$ 7,8 milhões pelo serviço de coleta de resíduos sólidos.

Mas, com menos material na rua, diminui também a quantidade destinada aos galpões. Como consequência, reduz o rendimento dos trabalhadores, que são remunerados pela venda do resíduo já separado. Isso porque o valor repassado pela prefeitura para as cooperativas somente pode ser usado para a manutenção, e em muitos casos não é suficiente nem para pagar as despesas correntes.

Leia a notícia original no Jornal do Comércio

Comentários