INCRÍVEL: Pesquisadores flagram espetáculo de boto na barra do Rio Tramandaí (RS)

Um flagrante clicado por pesquisadores do projeto Botos da Barra revelou um espetáculo de beleza na barra do Rio Tramandaí, no Litoral Norte gaúcho: a boto Geraldona fez três saltos consecutivos, retirando o corpanzil inteiro d'água, para deleite dos estudiosos e dos populares que assistiram à pirotecnia. O fato aconteceu na terça-feira (9), no canal que fica entre a prainha de Tramandaí e os restaurantes do lado de Imbé, e foi considerado de beleza única.

Heloise Martins / Projeto Botos da Barra/Ceclimar/CLN/UFRGS


Ignacio Moreno, professor do campus Litoral da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador do projeto Botos da Barra, acompanha Geraldona como pesquisador desde a década de 1990 e assegura que jamais havia sido documentado um salto tão atlético do animal, da espécie boto-de-Lahille.

— O nosso pessoal estava na barra fazendo monitoramento e flagrou os três saltos. Nunca tínhamos visto isso, sair inteira para fora d'água. Em geral, eles retiram a cabeça e o dorso. Foi um fato muito raro — diz Moreno. 

As imagens foram feitas por Heloise Martins, graduanda em Biologia Marinha na UFRGS e bolsista do projeto Botos da Barra. Ela é natural do interior de São Paulo e mora no Litoral Norte desde 2020, quando começou a graduação universitária. Há um ano, ela se juntou ao projeto Botos da Barra. Os participantes fazem monitoramentos periódicos para registrar o trânsito de embarcações, o número de pescadores, de transeuntes e o comportamento dos botos.

— Sempre escutei histórias das pessoas que cresceram com a pesca cooperativa, cuidaram da família através disso, e que o boto sempre ajudou a pescar. Há uma gratidão aos botos. Ver a Geraldona saltar com tanta força e beleza para fora da água foi emocionante. Ver as pessoas sentadas ao redor celebrando o espetáculo foi outra emoção — narra Heloise.

Aniversário de emancipação de Imbé

Na última terça-feira (9), foi comemorado o aniversário da emancipação de Imbé, o que ajuda a explicar o forte movimento na barra naquela tarde de feriado municipal. Os animais são parte da tradição da região por fazerem a pesca cooperativa, mais intensa entre os meses de abril e junho.

Os botos-de-Lahille cercam cardumes de tainhas que atravessam o canal em direção ao mar com o objetivo de desovar, os conduzem para mais próximo da margem e sinalizam com gestos corporais de cabeça ou dorso o momento adequado para que os pescadores lancem a tarrafa. Essa ligação entre humano e natureza não costuma ocorrer, evidentemente, com principiantes.

— O que temos na barra do Rio Tramandaí é uma transmissão cultural. Os botos aprendem com as mães sobre como interagir com os pescadores para mostrar o cardume de tainhas. E os pais e avôs que são pescadores passam isso para os filhos. Estima-se que essa pesca cooperativa ocorra desde 1900 — detalha Moreno.

A parceria é auspiciosa para as duas partes: os trabalhadores aumentam a produtividade da pesca e o boto consegue se alimentar, abocanhando sem altas doses de esforço alguns peixes presos à tarrafa. Quem se dá mal é a tainha, mas o seu infortúnio é parte do processo da cadeia alimentar.


Heloise Martins / Projeto Botos da Barra/Ceclimar/CLN/UFRGS


Geraldona

O catálogo do projeto Botos da Barra indica que, de forma frequente, a barra do Rio Tramandaí é habitada por 13 botos, dos quais oito são descendentes de Geraldona. Ela tem cinco filhos —Rubinha, Chiquinho, Ligeirinho, Flechinha e o caçula Furacão — e três netos. Os animais, por tradição, são batizados pelos pescadores, que costumam reconhecê-los pela forma de auxiliar na pesca. Já os pesquisadores identificam os animais pela nadadeira dorsal, que funciona como impressão digital pela existência de cortes e marcas únicas de cada espécime.

A estimativa é de que Geraldona tenha nascido em meados da década de 1980, o que leva à conclusão de que ela está por volta dos 40 anos. Um bicho adulto desta espécie pode alcançar até quatro metros de comprimento e pesar cerca de 400 quilos. Na tarde de terça-feira, quando flagrada saltando, ela estava acompanhada de perto por outros dois botos. Heloise diz que um deles era Furacão, nascido em 2019. O outro não foi possível identificar pela posição em que foi clicado na fotografia. No total, a estudante diz que de cinco a seis animais aproveitavam a barra naquela tarde.

— Os botos estavam usando quase todo o estuário. Sumiam debaixo d'água e apareciam na outra ponta. Estavam interagindo muito entre eles, mas não estavam mostrando muito os cardumes de peixes. Eles usam a barra não só para pescar cooperativamente, mas também para se divertir e para cuidar dos filhotes, já que ali é mais seguro do que em mar aberto — comenta Heloise.

Moreno salienta que o boto-de-Lahille é uma espécie ameaçada de extinção. Estima-se que não exista mais de 600 animais, distribuídos entre as costas do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Uruguai e parte da Argentina.

O projeto Botos da Barra, vinculado à UFRGS/Ceclimar e atualmente com financiamento da Fundação Grupo Boticário, tem alertado que a proposta de construção de uma nova ponte entre Tramandaí e Imbé, na região do canal da barra, pode comprometer a pesca cooperativa.

Fonte: site GZH

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