Cinco anos atrás, um pequeno grupo de cientistas do câncer reunidos no restaurante de um hospital religioso desconsagrado em Mainz, na Alemanha, elaborou um plano audacioso: eles testariam sua nova vacina contra uma das formas mais virulentas de câncer, notória por retornar com força mesmo em pacientes cujos tumores tinham sido removidos.
Steve Gschmeissner/Science Source/Reprodução |
A vacina poderia não conter essas recaídas, alguns dos cientistas imaginaram. Mas os pacientes estavam desesperados. E a velocidade com que a doença, o câncer pancreático, muitas vezes reaparecia, poderia ser uma vantagem para os cientistas: para o bem ou para o mal, eles logo descobririam se a vacina ajudou.
Nesta primeira quinzena de maio, cientistas relataram resultados que contestaram as probabilidades. A vacina provocou uma resposta imune em metade dos pacientes tratados, e estes não apresentaram recidiva do câncer durante o estudo –descoberta que especialistas externos descreveram como extremamente promissora.
O estudo, publicado na Nature, foi um marco no movimento de anos para criar vacinas contra o câncer sob medida para os tumores de pacientes individuais.
Pesquisadores do Memorial Sloan Kettering Cancer Center, em Nova York, liderados pelo doutor Vinod Balachandran, extraíram tumores de pacientes e enviaram amostras deles para a Alemanha. Lá, cientistas da BioNTech, empresa que produziu com a Pfizer uma vacina para Covid de grande sucesso, analisaram a composição genética de certas proteínas na superfície das células cancerígenas.
Usando esses dados genéticos, os cientistas da BioNTech produziram vacinas projetadas para ensinar o sistema imunológico de cada paciente a atacar os tumores. Como as vacinas de Covid da BioNTech, as vacinas personalizadas contra o câncer dependiam do RNA mensageiro. Nesse caso, elas instruíram as células dos pacientes a produzir algumas das mesmas proteínas encontradas em seus tumores extirpados, potencialmente provocando uma resposta imune que seria útil contra células cancerígenas reais.
"Este é o primeiro sucesso demonstrável –e vou chamá-lo de sucesso, apesar da natureza preliminar do estudo– de uma vacina de mRNA em câncer de pâncreas", disse o doutor Anirban Maitra, especialista na doença no Anderson Cancer Center da Universidade do Texas MD, que não participou do estudo. "Por esse padrão, é um marco."
O estudo foi pequeno: apenas 16 pacientes, todos brancos, receberam a vacina, parte de um tratamento que incluía quimioterapia e um medicamento destinado a impedir que os tumores escapassem da resposta imune das pessoas. E o estudo não pôde descartar totalmente que outros fatores além da vacina contribuíram para melhores resultados em alguns pacientes.
"É relativamente cedo", disse o doutor Patrick Ott, do Dana-Farber Cancer Institute.
Além disso, "o custo é uma grande barreira para que esses tipos de vacinas sejam mais amplamente utilizados", disse a doutora Neeha Zaidi, especialista em câncer pancreático da Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins. Isso poderia criar disparidades no acesso.
Mas o simples fato de os cientistas poderem criar, verificar a qualidade e distribuir vacinas personalizadas contra o câncer tão rapidamente –os pacientes começaram o tratamento por via intravenosa cerca de nove semanas após a remoção dos tumores– era um sinal promissor, disseram os especialistas.
Desde o início do estudo, em dezembro de 2019, a BioNTech encurtou o processo para menos de seis semanas, disse o doutor Ugur Sahin, cofundador da empresa, que trabalhou no estudo. Futuramente, a companhia pretende produzir as vacinas em quatro semanas.
Em pacientes que pareceram não responder à vacina, o câncer tendeu a retornar cerca de 13 meses após a cirurgia. Os pacientes que responderam, entretanto, não mostraram sinais de recaída durante os cerca de 18 meses em que foram acompanhados.
Os cientistas têm dificuldade há décadas para criar vacinas contra o câncer, em parte porque eles treinavam o sistema imunológico com proteínas encontradas em tumores e células normais.
A adaptação das vacinas para proteínas mutantes encontradas apenas em células cancerígenas, no entanto, possivelmente ajudou a provocar respostas imunes mais fortes e abriu novos caminhos para o tratamento de qualquer paciente com a doença, disse Ira Mellman, vice-presidente de imunologia do câncer da Genentech, que desenvolveu a vacina contra o câncer pancreático com a BioNTech.
"Apenas estabelecer a prova de conceito de que as vacinas contra câncer podem realmente fazer alguma coisa, depois de talvez 30 anos de fracasso, provavelmente não é uma coisa ruim", disse Mellman. "Vamos partir daí."
Fonte: New York Times e Folha de SP
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