Pela 1ª vez na história, faculdade de medicina da USP forma médicas travestis em Ribeirão Preto

Quando receberam o certificado de conclusão da graduação na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (SP) da Universidade de São Paulo (USP) no início de dezembro, Stella Guilhermina Branco Fontanetti e Louise Rodrigues e Silva sentiram que não estão à margem da sociedade, mas ao centro dela.

Em 71 anos de história, Stella e Louise são as primeiras alunas reconhecidas e declaradas travestis a colarem grau em um dos cursos mais tradicionais do país.

Arquivo Pessoal

Para elas, o diploma obtido em uma das universidades mais prestigiadas do mundo não é só a exaltação do dever cumprido e da superação de uma série de obstáculos internos e externos, mas a prova de que pessoas muitas vezes apartadas por causa de sua sexualidade podem e devem ocupar diferentes e importantes espaços. Basta que as portas se abram ao respeito para que elas possam batalhar por seus sonhos.

O feito de Stella e Louise, segundo Rui Alberto Ferriani, professor e diretor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, é um marco para a inclusão na USP.

“Para nós, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, é um enorme orgulho termos a Stella e a Louise como nossas alunas e, agora, médicas. Elas são a representação de força, resiliência e de luta incansável pela realização de seus sonhos. Estamos sempre atentos a questões de respeito, equidade e inclusão em nossa faculdade."

Stella

De família estruturada e com acesso a boas escolas, a medicina surgiu na vida de Stella, primeiro, como forma de buscar aceitação da família e da sociedade. Sendo médica e bem-sucedida, quem poderia duvidar de sua capacidade? 

"Muitas vezes nós somos expulsas de casa com 14, 15 anos de idade, quando a gente se descobre e isso faz com que a prostituição seja o único caminho. Mas é por isso que eu acho que é uma via de mão dupla, porque à medida que estamos conquistando outros lugares, estamos conseguindo romper com certas coisas e fazendo com que as famílias consigam aceitar melhor, fazendo com que os ciclos de violência sejam rompidos” — Stella Guilhermina Branco Fontanetti.

Louise

Com Louise, a medicina veio depois que a aluna nota 10 na infância e na adolescência saída da periferia de Mariana (MG) descobriu que a paixão pelas ciências exatas poderia ser aliada das discussões propostas pelas ciências humanas que a arrebataram na juventude. (Clique aqui e leia a matéria com o perfil de Louise.)

"A gente tem as duas primeiras médicas trans formadas pela instituição. Eu sou a primeira médica trans e negra a ser formada pela instituição. Então acho que sirvo de inspiração no sentido de que isso é um marco em torno do quebrar a regra, quebrar a norma, quebrar o que é comum, o que é rotineiro. Fico feliz da gente estar fazendo essa reportagem, aceitei porque eu acho que isso também traz esse lugar da centralidade para as pessoas verem essa história e poderem ver essa possibilidade." — Louise Rodrigues e Silva.

Hoje, as duas compartilham não só o processo de transição vivenciado ao longo dos oito anos em que estiveram nos bancos da universidade, mas o sonho de impactar as vidas das pessoas lá fora por meio do ofício médicas.

Passada a turbulência envolvendo a descoberta sobre o próprio corpo durante o processo da graduação, Louise e Stella sentem-se capazes de transformar o mundo.

População trans nas escolas

Em 2021, uma pesquisa feita pela Faculdade de Medicina da Unesp em Botucatu (SP) estimou que 2% da população adulta brasileira se declarava transgênero ou não-binário, o equivalente a três milhões de pessoas.

Em outubro deste ano, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) deu início à Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS), realizada em parceria com a Secretaria de Atenção Primária à Saúde (SAPS) do Ministério da Saúde, e pela primeira vez, aparecem perguntas sobre orientação sexual e identidade de gênero dos brasileiros.

O resultado do levantamento será conhecido no fim de 2024 e pode ajudar a orientar entre tantas políticas públicas, melhorias para o acesso da população trans à educação.

No estado de São Paulo, a Secretaria de Educação informou que o Núcleo de Inclusão Educacional (NINC) trabalha dedicado a temáticas para a diversidade de gênero e inclusão de nome social em documentos escolares, como a Lista de Chamada, Carteirinha Escolar e Boletim Escolar.

Atualmente, segundo a pasta, a rede conta com 3.363 estudantes com nome social, garantido conforme os critérios da Resolução SE nº 45 de 2014, que estabelece o tratamento nominal de discentes travestis e transexuais.

Ainda de acordo com a Secretaria de Educação de São Paulo, educadores da rede pública recebem formações continuadas, por meio da Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Professores (EFAPE), sobre violência de gênero a grupos vulneráveis, que incluem mulheres, crianças, adolescentes, pessoas com deficiência ou sofrimento mental e comunidade LGBTQIAPN+. Também são discutidas pautas sobre Educação em Direitos Humanos (EDH) e as questões relacionadas às diversidades e igualdade de gênero.

Leia a reportagem original no G1

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