Num domingo ensolarado, revi gente - parentes, amigos, colegas -, alguns que não via há mais de 20 anos. A vontade era de conversar com cada um, saber mais de suas vidas. Mas provavelmente muitos só verei daqui a 20 anos novamente. Como retribuir tamanho carinho? Ir à enterro é uma das coisas mais chatas e deprimentes que existe, seguida do velório. E teve gente que foi aos dois. O pai estaria exultante, mesmo que acabrunhado numa cadeira, como ficou nos últimos tempos. Se sentiu importante. Como retribuir a tanta gente? Ouvi tantas frases de apoio. Vozes distantes, outras mais criativas. Foram render sua homenagem a este homem simples, que sonhava alto - e que fez aprender esta lição também. Morreu sem conhecer Paris. Talvez um dia eu convença o resto da família a levar as cinzas dele até lá e jogar no Sena. Melhor ainda se financiado pelo clã Martins. Amava o mar, nadava como peixe. Me ensinou a ler aos dois anos. Me ensinou a dirigir. Me ensinou a fazer gemada com a clara e o ovo batidas separadamente. Como retribuir uma gemada destas, suculenta, derramando-se açucarada até a borda?
Ainda bem que consegui fazer o João Vicente conviver com ele quase dois anos. Como retribuir à Silvia? Mais recentemente o netinho mais novo lhe dava alegria e uma saudável preocupação - com as gripes, as tosses, os remédios. Ligava para saber como tinha sido a consulta. Uma certa vivacidade que tinha se ido alguns anos antes. E este filho desaba pelo segunda ou terceira vez no sábado fatídico quando o nenê pergunta, olhando para a cadeira de balanço: "bobô?" - com a mãozinha espalmada virada pra cima. "Viajou. Para São Paulo" - foi só o que me ocorreu. Talvez tivesse sido bem melhor uma passagem para o Rio, ou, já que a violência é tanta, qualquer praia do Nordeste. Ivan teria gostado mais. Ivan: João em russo. Martins, da Póvoa do Varzim, cidade portuguesa à beira do mar. Claro. Até cair todas as nossas fichas, minhas, do meu irmão, da minha mãe, vou ficar tentando descobrir pensando o que podia ter feito mais. Sem arrependimentos, apenas olhando para a vida o que eu poderia ter feito melhor. Talvez eu ainda possa: cuidar mais de mim e ser um bom pai, como ele foi. Como retribuir lição mais rica do que essa?
Comentários
Triste gostaria de dizer que guardo do "tio Ivan" a simplicidade, simpatia e carinho com que tratava todas as pessoas ao seu redor.
Neste momento certamente lembrarás de momentos maravilhosos vividos com teu pai com saudade e muita tristeza.
Felizmente a vida com o tempo fará com que passes a lembrar destes momentos com muito orgulho e como exemplo de vida.
Sinceramente espero que esta janela de tempo seja rápida para você e toda a sua família.
Um abraço sincero.
Neco
Mas aprendi sendo filho do Ivan que ser um bom pai é amar e amar e amar. Todos os dias, em todas as horas. Aquilo que é meta para muitos místicos evoluídos, para meu pai era prática do dia-a-dia: o tal amor incondicional.
Renato, vc vai errar, e errar muito, mas será um bom pai se passar SEMPRE a sensação de que o João é muito amado desde o primeiro minuto, e que continuará assim, mesmo nas sombras e pisadas de bola da vida.
Isso foi o que de mais importante aprendi sendo filho do Ivan: de que fui amado desde que me conheço por gente, e todos os dias, e isso é metade do caminho ou mais para sermos felizes como criaturas, e acreditarmos que o amor é bom e existe mesmo.
Fluindo, amigão! bjo
Dinheiro e bens podem sumir, mas o que nós aprendemos vai com a gente pro resto da vida.
Força nessa hora e aproveita muito bem tudo que teu pai te passou, pois isso é a coisa mais bonita que que teu filho um dia vai poder guardar de ti.
Grande abraço,
André Bozzetti
Eu o conheci como "Vô Ivan", como meu avô, como amigo, companheiro, do tipo q colocava a bicicleta no porta-malas pra mim andar em quanto ele caminhava em Ipanema, do tipo q me ensinou a fazer barquinhos de madeira para brincar na piscina, que colocava a camiseta "caça-gatas" para dar uma voltinha em Capão Novo, que apresentava "Los Hermanos Martines" dando salto mortal na piscina de mãos dadas, que deixou o seu dom artístico vagando no sangue de toda a família, enfim, lembro do Ivan por meu avô, o Vô Ivan, que tempos mais tarde morei junto e incomodei bastante, e ele sempre com o seu amor incondicional e silencioso, nunca me disse "eu te amo", mas deixou claro sem nenhuma dúvida o quanto me amou. INCONDICIONALMENTE!!!
O mesmo pensamento q tu tens eu to vivendo na pele!
Como agradecer tudo isso???
Ele não foi "um" cara, mas sim, "O" Cara. Com certeza foi e é meu maior exemplo da figura masculina correta e de bem.
To absorvendo as coisas desta forma...
Ao invés de tentar entender o que não tem como entender, tenho somente que aceitar. Ponto!
O q eu posso fazer eu tenho feito, no fundo tudo que aconteceu deixou todos, principalmente os mais próximos muito mexidos, sensíveis.
Essa sensibilidade e a dor da perda vem como força para fazer diferente todos os dias, tentar fazer como o Ivan fazia, com a entrega e intensidade que ele fazia. Nunca tinha perdido ninguém tão próximo e ligado, por isso nada parecido me passou pela cabeça antes, mas agora, além de saber q tenho ele perto, para qualquer coisa, imagino que ele também esteja nos observando, isto sim acaba sendo a maior lição de tudo! Imaginar que ele está observando e não decepcionar, antes pelo contrário, surpreender! Isso talvez seja o q de melhor o Vô Ivan me deixou.
A vontade de agradecer se traduz nisso.
To contigo "tio" Renato, vamos nos dedicar mais do nosso tempo, não ser tão escravos da nossa rotina e tentar fazer o que nosso velho fazia, reunir a família, cada vez maior, com apensos, filhos, etc, e nos curtir. Fazer mais e melhor, por nós mesmo!!
Com carinho, meio (meio/metade como tu diz) para o Ivan e meio para ti.
Bj!!!
Fui!!!
Andar com fé é olhar as portas desconhecidas com a mão estendida para dar e receber.
Andar com fé é usar a força e a coragem que habitam dentro de nós, quando tudo parece acabado.
Tudo, menos o amor, pois este sempre viverá.
E amor de mãe e amor de pai (que já aprendemos) são únicos e verdadeiramente incondicionais, onde quer que estejamos...e onde o Ivan está, no céu, junto do Pai.
A enorme admiração pelo Ivan é a maior retribuição de cada um de nós.
Um abraço carinhoso!
Márcia Ferreira
Fico completamente sem palavras...
Parabéns pelo blogger e pelos textos!
Desejo sucesso!
Um grande Abraço
Jorge Curtis
51 99998776
Parabéns pelo texto e fica um grande abraço de conforto.
Desejo sucesso!
Um abraço
Jorge Curtis
51 99998776